quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Vida de Galileu Galilei

            Galileu Galilei foi o cientista que encontrou a forma de provar a teoria de Copérnico de que o Sol era imóvel e a Terra girava ao seu redor. Fez isso, a partir do uso diverso e do aprimoramento de um instrumento de lentes de aumento desenvolvido pelos holandeses: enquanto seus descobridores faziam uso do equipamento de lentes apenas para observar de longas distâncias fenômenos e objetos da cidade e da Terra, Galileu, subversivo, se valeu do objeto e o apontou para o céu, de forma a conseguir observar de longa distância o espaço. Mais tarde batizado com o nome de "telescópio", o instrumento de observação não somente viria a proporcionar a Galileu ver e comprovar a teoria copernicana, como também afirmar a existência de montanhas na Lua, a ausência de luz própria da Terra e da Lua (e suas iluminações através da luz do Sol), as manchas solares e as fases de Vênus.
              A despeito de tantas novidades para a astronomia, no entanto, por causa do temor da Igreja pelos efeitos que as ideias de Galileu poderiam produzir na transformação da visão de mundo das pessoas, bem como, por causa do raciocínio retrógrado de matemáticos e astrônomos de universidades, que ainda insistiam no sistema de mundo elaborado por Ptolomeu e Aristóteles, as descobertas de Galileu, em seu tempo, careceram do devido reconhecimento e enfrentaram dificuldades para serem divulgadas mais amplamente, forçando o matemático a passar a maior parte de sua vida confinando suas pesquisas e realizando seus trabalhos isoladamente. 
                  Todavia, ainda em condições adversas, e a despeito da mais radical delas, que consistiu na censura da Inquisição sobre seus esforços para provar ideias, e ainda na consequência da prisão domiciliar do cientista pelos últimos dias de sua vida, Galileu não deixaria de trabalhar e fazer seus estudos científicos, conseguindo finalizar e legar ao público o seu mais importante livro, o Discorsi e Dimonstrazioni Matematiche Intorno Duo Nuove Scienze ("Discursos e Demonstrações Matemáticas Acerca de Duas Novas Ciências").  
           Na época em que viveu Galileu, em lugar de se reconhecer, ou aclamar cada uma de suas descobertas feitas a partir de suas observações do telescópio, o povo e a comunidade científica se atentariam mais, e assim, conseguintemente, pareceria que atribuiriam mais relevância  ao episódio da escolha de Galileu pela abjuração das próprias convicções científicas frente à Inquisição Católica. O episódio seria encarado com tamanho interesse, porque, desde então, não só os homens ligados à sua área da ciência, mas aqueles ligados à área do conhecimento, não deixaram de optar pela afirmação da verdade científica frente a morte; preferiram morrer a negar o que criam verdadeiro. Um dos exemplos desses homens, mais próximos de Galileu, é Giordano Bruno; ele escolheu ser queimado na fogueira pela Inquisição, a desdizer suas convicções. Essas escolhas e atitudes de obstinação frente à pressão da Igreja, seriam admitidos pela história, bem como passariam defendidos, como sinônimos de heroísmo, martírio e glória para defesa do saber. 
             Em função dessa admissão heroica e mártir das ações desses homens do conhecimento, a muitos séculos além do próprio tempo de vida, a opção diversa e inusitada de Galileu pela abjuração seria tomada por cientistas e historiadores de diferentes épocas como sinônima de acovardamento e/ou fraqueza; atitude menor, inclusive de submissão à autoridade papal. No seu tempo, Galileu ficaria como o cientista inventor de perigoso instrumento - o telescópio -, ideias desarrazoadas e também o covarde. Mais adiante no tempo, Galileu ficaria como o homem de grandes descobertas, mas também que foi covarde. O nome de Galileu, por definitivo, carregaria ao lado de sua imagem de grande cientista, a abjuração e a decepção da classe científica por tanto. 
                  Apenas muitos anos mais tarde, ao já se ter crescido o domínio da ciência nova e, logicamente, diminuído o poder da Igreja e das ideias retrógradas dos centros universitários difusores do pensamento de Ptolomeu e Aristóteles, as descobertas de Galileu seriam reconhecidas e, automaticamente, o episódio da abjuração pesaria menos negativamente em sua imagem e suas contribuições científicas mais. Desde então, Galileu seria merecidamente recordado como o conhecemos hoje: Galileu Galilei, cientista nascido na Itália em 1564; um dos fundadores do método experimental e da ciência moderna; responsável por muitas descobertas nas áreas da topografia, de diversas invenções mecânicas; considerado o primeiro físico, por ter sido um dos primeiros a unir a matemática ao movimento, fazendo descobertas fundamentais sobre a queda dos corpos.  
         Porém, se por um lado, no entanto, esse súbito brilhantismo da figura científica de Galileu trouxera o merecido reconhecimento de suas descobertas para sua laureada biografia, por outro, não mudaria a visão da abjuração que se perpetuara na história: embora, o episódio da abjuração permanecesse secundário, ainda era mal visto ou mal interpretado, tido como gesto covarde, de submissão, etc, por parte de Galileu. Talvez somente no século XX se voltaria a dar atenção ao episódio da abjuração de Galileu e se mudaria a atribuição inferiorizada a ela. E parece que uma obra literária, ou mais propriamente, teatral, seria uma das maiores responsáveis por melhorar o ângulo de visão sobre a abjuração de Galileu Galilei. Esta obra é Vida de Galileu, de autoria do dramaturgo alemão Bertolt Brecht.  
         Em meados do século XX, em 1955, depois de três versões, Brecht leva aos palcos a versão definitiva da peça teatral A Vida de Galileu. Através dela propõe o resgate da reflexão sobre o motivo da abjuração de Galileu e muda a corrente concepção da abjuração como tendo sido gesto covarde e inferior. Propõe que a escolha pela abjuração optada por Galileu, sem se constituir em um gesto de abandono de defesa da verdade científica, ou, atitude de fraqueza para lutar por um ideal científico, e ainda, gesto de defesa da ciência sobre a Igreja e demais autoridades, entre outras coisas, representaria uma escolha sensata de uma mente muito à frente em aspiração científica - e também ética - à sua própria época. 
                  O Galileu arguto de Brecht, ao optar por abjurar, estaria, do contrário, é dando provas de ter sabido manter em sigilo, por trás da aparência de um gesto inglorioso aos olhos da comunidade científica - e de tantas outros mais -, uma forma de prestar contribuição e atuação maiores para a ciência e as relações sociais no geral. Ele teria feito uma opção por servir a ciência e oferecer uma contribuição à humanidade, ao contrário de se submeter à vontade da Igreja de liquidá-lo. 
              Pois, se agisse como Bruno, estaria obedecendo à imposição e vontade da Igreja, e não à da ciência, que contava com a permanência. Em suma, a obstinação desses "mártires" não só haviam os matado, como matado a continuação de suas pesquisas e trabalhos na ciência. Galileu, renegando-se a morrer, continuaria a trabalhar, e, como a sua própria biografia dá testemunho, somente por ter feito essa opção, conseguiria finalizar a sua obra mais importante, os Discorsi. Contudo, Galileu, segundo Brecht, perspicazmente, soube, através de jogo reverso àquele proposto pela Inquisição, manter-se vivo, e vivo igualmente, o trabalho das descobertas da ciência.
             Um dos diálogos mais interessantes da peça de Brecht, entre Galileu e Andrea Sarti, discípulo de Galileu, expõe essa opinião brecthtiniana. Ei-lo:

ANDREA:
E nós achávamos que o senhor tinha desertado. A minha voz era a que gritava mais alto contra o senhor!

GALILEU:

É assim que devia ser. Eu lhe ensinei a ciência, e eu abjurei a verdade.

ANDREA:

Isto muda tudo. Tudo.

GALILEU:

É?

ANDREA:

O senhor escondeu a verdade, diante do inimigo. Também no campo da ética o senhor estava séculos adiante de nós.

GALILEU:

Explique isso, Andrea.

ANDREA:

Como o homem da rua, nós dizíamos: ele vai morrer, mas não renega jamais. O senhor voltou: eu reneguei, mas vou viver. Nós dizíamos: as mãos dele estão sujas. O senhor diz: melhor sujas do que vazias.

GALILEU:

Melhor sujas do que vazias. A frase é realista. Podia ser minha. Ciência nova, ética nova.

ANDREA:

Eu, mais do que os outros, devia ter compreendido! Eu tinha onze anos quando o senhor vendeu o telescópio de um outro ao Senado de Veneza. E vi o emprego imortal que o senhor deu a esse instrumento. Os seus amigos balançavam a cabeça quando o senhor se curvava diante do menino, em Florença: a ciência ganhou público. Já naquele tempo o senhor ria dos heróis. "Homens que sofrem me caceteiam", era o que o senhor dizia. "A desgraça provém de cálculos imperfeitos". E "diante dos obstáculos, o caminho mais curto entre dois pontos pode ser a curva".

GALILEU:

Eu me recordo.

ANDREA:

E se depois, em 33, o senhor achou preferível abjurar um aspecto popular de suas doutrinas, eu deveria compreender que o senhor fugia meramente a uma briga política sem chances, mas fugia para avançar o trabalho verdadeiro da ciência.

GALILEU:

Que consiste...

ANDREA:

No estudo das propriedades do movimento, que é pai das máquinas, as quais - e somente elas - farão a terra habitável a tal ponto que o céu possa ser abolido.

GALILEU:

Hum!

ANDREA:

O senhor conquistou o sossego necessário para escrever uma obra de ciência, que ninguém mais poderia escrever. Se o senhor acabasse em chamas na fogueira, os outros é que teriam vencido.
(p. 220-222. Da edição de 1977, da Abril Cultural, traduzida por Roberto Schwarz)

              Ademais, a partir também desta revelação do real objetivo da abjuração de Galileu, que, como observa o personagem Sarti, também é digna de reconhecimento como um posicionamento avançado de Galileu no campo da ética, Brecht tange e problematiza uma outra questão de presença frequente nos círculos da ciência: a vaidade dos cientistas e a ausência de sentido humano das suas descobertas; a presença da pura adoração pelas suas descobertas e a constante busca pela celebridade sem motivação para contribuir com a causa humana. 

              Brecht aborda essa questão chegando a fazer um elogio, um clamor, para não afirmar: uma defesa da Ciência como uma área que deve ser regida em primeiro lugar por princípios éticos. De acordo com Brecht, essa ciência vaidosa de si, que tem sido difundida, é amante de cientistas heróis, mártires do saber, e disposta a servir apenas a própria área; não aspira por objetivos mais amplos, que alcance os homens, e até, ao contrário, mais e mais, tem contribuído para cavar um abismo entre o mundo dos homens e o campo científico.                 
                 Por essa razão, Brecht apresenta o episódio da abjuração de Galileu a espelhar um homem menos amante de uma descoberta científica do que amante da ideia de poder servir a humanidade algum avanço ético a partir da ciência; um homem mais preocupado com a questão humana que com a descoberta de mais uma novidade para o campo científico. Desta forma, a certa altura do diálogo entre Galileu e Sarti, Galileu tenta fazer com que o discípulo veja que, para além da escolha sensata de abjurar para continuar à serviço da ciência, Galileu abjurou pensando no que ainda poderia contribuir para a humanidade. 
                Deste modo, por fim, Galileu tenta fazer Sarti ver a sua abjuração como produto de um gesto não só com interesses humanos, mas, em si, um gesto humano. Deste modo, Galileu tenta que Sarti abandone os pontos de vistas que defendem os cientistas (ou, os homens do saber) como mártires e heróis; Galileu tenta que Andrea conceba a sua abjuração não como produto de um herói da ciência planejando protegê-la, mas como, primeiro, atitude de medo de um homem comum diante da morte sob tortura, e, depois, sobretudo, atitude de um homem apenas ligado à ciência, que apenas faz uso dela.
               Galileu esclarece à Andrea que, para a ciência só existe a contribuição científica, nada mais, e então, sob esse ponto de vista, ele não deveria ser considerado um cientista; uma contribuição científica ele já dera, voltava-se para o trabalho que poderia servir a uma causa humana. Também não deixa de esclarecer ao discípulo que as fraquezas humanas não têm nada a ver com a ciência: portanto, ter ele se comportado como homem amedrontado pela tortura, não significa que deixa de poder representar a ciência. Ser homem e ser cientista são duas capacidades humanas não excludentes entre si; são facetas de um mesmo ser humano, Desta feita, o que os censores de sua opção pela abjuração relacionavam com uma fraqueza humana consistia em uma associação descabida, vazia.
              O diálogo em torno dessa última questão, continua assim: 

GALILEU:

Eles venceram. E não existe obra de ciência que somente um homem possa escrever. 

ANDREA:

Então por que o senhor abjurou?

GALILEU:

Eu abjurei porque tive medo da dor física.

ANDREA:

Não!

GALILEU:

Eles me mostraram os instrumentos.

ANDREA:

Então não foi um plano.

GALILEU:

Não foi.

(Pausa.)


ANDREA (em voz alta):

A ciência só conhece um mandamento: a contribuição científica.

GALILEU:

E essa eu dei. Benvindo à sarjeta, irmão na ciência e companheiro na traição! Você gosta de peixe? Eu tenho peixe. O que fede não é meu peixe, sou eu. Eu estou em liquidação, você é freguês. Ó irresistível sedução do livro, essa mercadoria sagrada! Corre água na boca, e as maldições se afogam. A Grande Babilônia, a besta assassina afasta as coxas, e tudo mudou! Santificada seja a nossa congregação de traficantes e puxa-sacos mortos de medo de morrer!

ANDREA:

O medo da morte é humano. Fraquezas humanas não têm nada a ver com a ciência.

GALILEU:

Não! Meu caro Sarti, mesmo em meu estado presente ainda me sinto capaz de lhe dar algumas indicações relativas a várias coisas que têm tudo a ver com a ciência, com a qual o senhor se comprometeu.

(Uma pequena pausa.)



                Logo adiante, Galileu tentará provar a Sarti, por definitivo, que o motivo de sua abjuração foi uma opção por continuar à serviço da ciência por acreditar que ela pode servir, em benefícios tanto instrumentais e humanos - e sobretudo humanos - à humanidade. 

                 Dito isso, nota-se, por fim, que Brecht apresenta-nos a um Galileu como um ser humano, acima de cientista. Enquanto cientista e homem, o Galileu de Brecht é humanista, está agindo humanamente e trabalhando com fins humanos. 
                E, deste modo, é preciso que se observe com mais cuidado quando o dramaturgo alemão descreve Galileu como um homem comum amante da mesa, ou mais precisamente, um italiano afeito ao bom vinho e a boa comida; a descrição de Galileu nesses termos só o associa ao comum dos homens até o nível dos gostos comuns (pela bebida, a comida), não é - como tem sido muito afirmado por críticos - um retrato de um Galileu bonachão. Brecht pôs atrás desses traços de homem comum, de típico italiano, sobretudo, um Galileu homem da ciência consciente do seu lugar no mundo e do lugar de seu ofício na humanidade. Galileu é comum, mas é grandioso, não bonachão. 
                   A imagem que Brecht queria que guardamos de Galileu é de um personagem virtuoso e muito consciente - de novo: não de homem bonachão. E iremos perceber, sem esforço, esse homem virtuoso e sensato em uma de suas últimas falas desta conversa com Sarti, em passagem que talvez seja a mais reveladora de suas aspirações:
                        

GALILEU (acadêmico, as mãos cruzadas sobre a barriga):

Em minhas horas de lazer, que são muitas, repassei o meu caso, e pensei sobre o juízo que o mundo da ciência - de que eu mesmo não me considero mais parte - deverá fazer a respeito. Mesmo um mercador de lã, afora comprar barato e vender caro, tem que pensar noutras coisas também: nas providências para que o comércio de lã corra sem empecilhos. A prática da ciência me parece exigir notável coragem, desse ponto de vista. Ela negocia com o saber obtido através da dúvida. Arranjando saber, a respeito de tudo e para todos, ela procura fazer com que todos duvidem. Ora, a parte maior da população é conservada, pelos seus príncipes, donos de terra, e padres, numa bruma luminosa de superstições e afirmações antigas, que encobre as maquinações dessa gente. A miséria de muitos é velha como as montanhas, e, segundo os púlpitos e as cátedras, ela é indestrutível, como as montanhas. O nosso recurso novo, a dúvida, encantou o grande público, que arrancou o telescópio de nossas mãos, para apontá-lo para os seus carrascos. Estes homens egoístas e violentos, que haviam se aproveitado avidamente dos frutos da ciência, logo sentiram que o olho frio da ciência pousara numa miséria milenar, mas artificial, que obviamente poderia ser eliminada, através da eliminação deles. Eles nos cobriram de ameaças e de ofertas de suborno, irresistíveis para almas fracas. Entretanto, seremos ainda cientistas, se nos desligarmos da multidão? Os movimentos dos corpos celestes se tornaram mais claros; mas os movimentos dos poderosos continuam imprevisíveis para os seus povos. A luta pela mensuração do céu foi ganha através da dúvida; e a credulidade da dona de casa romana fará que ela perca sempre de novo a sua luta pelo leite. A ciência, Sarti, está ligada às duas lutas. Enquanto tropeça dentro de sua bruma luminosa de superstições e afirmações antigas, ignorante demais para desenvolver plenamente as suas forças, a humanidade não será capaz de desenvolver as forças da natureza que vocês descobrem. Vocês trabalham para quê? Eu sustento que a única finalidade da ciência está em aliviar a canseira da existência humana. E se os cientistas, intimados pela prepotência dos poderosos, acham que basta amontoar saber, por amor do saber, a ciência pode ser transformada em aleijão, e as suas novas máquinas serão novas aflições, nada mais. Com o tempo, é possível que vocês descubram tudo o que haja por descobrir, e ainda assim o seu avanço há de ser apenas um avanço para longe da humanidade. O precipício entre vocês e a humanidade pode crescer tanto, que ao grito alegre de vocês, grito de quem descobriu alguma coisa nova, responda um grito universal de horror. Como cientista tive uma oportunidade sem igual. No meu tempo, a astronomia alcançava as praças do mercado. Nessas condições muito particulares, a firmeza de um homem poderia ter causado grandes abalos. Se eu tivesse resistido! Se os cientistas naturais tivessem criado alguma coisa como o juramento hipocrático dos médicos, o voto de utilizar o seu saber somente para vantagem da humanidade! No ponto a que chegamos, não se pode esperar nada melhor do que uma estirpe de anões inventivos, alugáveis para qualquer finalidade. Além do mais, Sarti, cheguei à conclusão de que nunca estive em perigo real. Durante alguns anos, a minha força era igual à da autoridade. Entretanto, entreguei o meu saber aos poderosos, para que eles usassem, abusassem, não usassem, conforme lhes conviesse" (p. 223-225).


            Do excerto reproduzido, conclui-se que o Galileu de Brecht reverte (ou relembra?!) o objetivo central da ciência (dos cientistas dos dias de Galileu àqueles europeus da própria época do dramaturgo - e da nossa, não tão distante), de uma prioridade às descobertas científicas, a favor da prioridade às descobertas que mudam os homens, a humanidade. Clama por uma ciência não de objetos, mas de instrumentos sociais para auxiliar o homem tanto em condição desprivilegiada socialmente quanto na lida existencial; é uma ciência que deve prestar contribuições ao serviço social, passando pelo existencial, a chegar na sua dimensão completa de serviço à humanidade. 
               Em A Vida de Galileu, Brecht pareceu interessado em não só reverter a interpretação negativa do episódio da abjuração de Galileu, mas ainda, construir a partir desse relato, uma história sobre o papel da aplicação do conhecimento no mundo, não só dos renomados homens que fazem uso deles - aqueles tidos como cientistas -, mas daqueles outros que estão trabalhando com o mesmo fim, que são os engenheiros, os professores, os publicitários, e todos aqueles que desempenham alguma atividade no mundo; isto é, todos nós, no desempenho de todos os nossos ofícios; afinal, ele questiona: "estamos trabalhando para quê?"
       A Vida de Galileu de Bertolt Brecht é uma obra grandiosamente humana. 

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