sábado, 7 de dezembro de 2019

"Entrevista com o professor" de Lívio Soares

Murilo é um professor de Inglês e Literatura do ensino regular recém-aposentado, que concede uma entrevista para a sua ex-aluna Jane, na ocasião em que ela está recolhendo conteúdo para sua tese de doutorado. Na varanda de um sítio, em um clima agradável e descontraído, Murilo relembra, entre outras coisas, os seus tempos de aluno, a sua postura como professor quando exercia a docência, a sua infância, adolescência e fase adulta, e manifesta sua opinião inteligente sobre assuntos variados: sobre o jeito de ser das pessoas de sua cidade natal (Terra das Almas) e do caudilhismo político que impera nela, sobre o atual cenário das escolas e da educação no Brasil, sobre os desgovernos e a violência da política e do cotidiano brasileiro e mundial; fala do poder e da importância da linguagem e da leitura; das recompensas humanas advindas do contato com as artes; cogita o sentido de amor e amar, e explica o sentido de ler e da educação, deixando relevantes insights sobre esses assuntos.

Essa conversa, que transita entre a autoficção e a crônica, é o enredo de "Entrevista com o professor" (Chiado Editora, Portugal), o mais recente livro de Lívio Soares de Medeiros, escritor natural de Patos de Minas. Do referido conteúdo, é bastante sobressalente o reconhecimento e agradecimento que Murilo faz aos professores que teve e às lições de vida e de boas pessoas que eles deixaram. Nesta época em que a profissão tem sido proscrita por regimes políticos mesquinhos e metodologias de ensino independentes, "Murilo" é um testemunho firme de reconhecimento da profissão professor, da sua importância real (não aquela falsa inventada por discursos de falastrões), mas do seu papel no desenvolvimento amplo de muitas pessoas.

Constatado na própria postura de respeito de Murilo à linguagem e à leitura, e na aversão à incultura e a mesquinhez humanas, a obra é também um manifesto de resistência branda e inteligente à falta de sentido da educação regular e da desvalorização da cultura.

Fiquei com muitas falas e "causos" do Murilo em mente. Recuperarei alguns para dar à conhecimento um pouco do conteúdo do livro.

Começo pela história do professor Tales.
Relata Murilo:


"Certa vez, durante a entrega de uma prova, Tales, com voz calma, disse algo assim: “Ué, Murilo, parece que você vai tirar zero. Nenhum resultado seu bate com os do gabarito.” Conferi os números corretos. Em comparação com as respostas certas, os números meus estavam exorbitantes. Além de mim, outros estudantes estavam em torno da mesa do Tales, que continuou: “Hum, vamos ver o que aconteceu... Ah, repare: sua conta está certa, não há erro nos cálculos, nas etapas que deveriam ser seguidas. Você chegou a esses resultados estranhos porque não fez a divisão por 1,5 dos dados iniciais. Se você tivesse feito a divisão, sua nota seria 10. Vamos fazer o seguinte: exceto pela divisão não feita, o restante dos cálculos estão certos; vou te dar 9,8. Pode ser?” Acho que até arregalei os olhos, tamanha minha surpresa. Perguntei para o Tales por que ele me tiraria só dois décimos. Ele argumentou dizendo que no mundo real eu refaria as contas, em virtude do resultado desmedido a que eu chegara. De acordo com o professor, eu me daria conta, estivesse de fato construindo uma casa, que meus cálculos implicariam comprar material em excesso para uma obra que era pequena. O Tales arrematou: “Foi só lapso seu. Por causa dele, vou tirar dois décimos.”

Noutra passagem relevante, Murilo comenta sobre a onda de exigência de professores “animadores de auditórios” e soterrados pelos atrativos das mídias.
A certa altura da conversa com Jane, ele afirma:

“O problema é que a educação tem exigido dos professores que eles sejam macaquinhos de auditório. Isso tanto se intensificou que boa parte dos alunos considera bom professor aquele que é o mais performático, o mais “engraçado”, o mais “carismático”. Um professor pode ser bom de conteúdo e ser ao mesmo tempo engraçado e carismático. A coisa se complica quando o teatro feito para, em tese, soar espirituoso soa mais importante do que o conhecimento. A escola está com medo de dizer para os estudantes que conhecimento dá trabalho. Ao querer soar engraçadinha, o mais comum é que ela negligencie o conhecimento, passando a investir num modelo de educação vazio, perigosamente fácil e desvirtuado. Nesse circo, quanto mais apalermado for o professor, mais competente e útil para o mercado ele será considerado. Numa atitude que nada tem a ver com educação, os que não conseguem dançar em consonância com essa música canhestra que é no fundo castradora e ilusória, por fazer da escola uma espécie de programa de auditório frívolo, acabam sendo pouco valorizados pelos chefes e pelos estudantes. A macaquice virou carisma, a dedicação necessária ao burilamento tornou-se caretice. A escola pode divertir, mas não deveria fazer disso uma estratégia obrigatória. O conhecimento não é lúdico o tempo todo, a vida não é lúdica o tempo todo. Não vejo sentido numa escola que alega preparar para a vida negar aos estudantes o fato ubíquo de que a vida é um negócio muito complexo. O excesso de ludicidade e o afã de fazer com que tudo seja leve e sem baques não cria gente preparada para a vida. É bem o contrário. Enquanto a escola insistir nesse modelo, os estudantes vão sair da escola ainda mais despreparados do que quando entraram.”

Em seguida, sobre as mídias e as tecnologias, ele diz:

“O mundo está cheio de coisas inúteis disputando a nossa atenção. Aplicativos, redes sociais, celulares, infrutíferas séries de TV, inúteis jogos eletrônicos. A escola não deveria ter como prioridade competir contra essas coisas. Ao querer para si essa competição, deixa de ser escola. Não faço um libelo contra a tecnologia, o que seria contraproducente. A tecnologia deve, sim, ser aliada, mas não pode ser um fim em si mesma nem pode ser uma ferramenta para maquiar falta de conhecimento.”

Por fim, em uma passagem que julgo a mais bela do livro, Murilo coloca o bom professor como aquele que “dá aulas com quem realiza um ato de generosidade”.
Murilo conta:


“Meus professores foram generosos comigo, a maioria de meus colegas professores foram generosos com os alunos deles. Só há um modo de melhorar a vida das pessoas, que é sendo generosas com elas. Ninguém há de negar que um sujeito como o Thomas Edison fez coisas que tiveram consequências boas na vida de muita gente. E nós, que não tivemos impacto na vida de tantas pessoas, como um Thomas Edison, temos condições de sermos grandes? Sim, temos, desde que sejamos generosos. O padeiro, o advogado, o gari ou o professor são grandes quando são generosos. A generosidade é um dos modos como cada um pode ser grande. É a grande contribuição que podemos dar ao mundo.”

Finalmente, Murilo revela que foi daqueles professores que não escolheu a profissão, mas não a levou como coisa sem sentido ou valor. O seu respeito às artes, à leitura e à linguagem, lhe deram uma postura que em sala de aula ao menos não deixaria os alunos pensar que estavam diante de algo irrelevante ou menor, ele se referia a leitura, ao legado dela e a trabalhos do gênero como possibilidades de o ser humano se tornar melhor.

Em outra bonita passagem, ele conclui:

“Quando em sala de aula, sempre me referi ao trabalho das pessoas. O que admiro nelas é o legado, pois não as conheci pessoalmente. Como era conviver com o Drummond? Não há como eu saber. O que eu exaltava sobre ele e sobre tantos outros, é o trabalho dele. Acredito mesmo que o que nos redime é o trabalho, o que deixamos. A tendência é sermos gentinha, gentalha. O talento exercido pode nos dar a possibilidade de nos elevarmos. Claro que há legados deploráveis, e evidentemente, há aqueles que admiro não por causa do legado, ou não somente por causa do legado, mas pelo que são. São poucos os que faço questão de estarem por perto. Mas somos todos assim, não?”

“Entrevista com o professor” é um livro cuja leitura é inspiradora, salutar, agradável.

MEDEIROS, Lívio Soares. Entrevista com o professor. Chiado Editora: Portugal, 2019.

Literatura: "o mundo nunca precisou tanto dela"

José Castello, em uma lembrança delicada de um breve diálogo entre Caio Fernando de Abreu e Clarice Lispector, saúda a literatura dizendo que “o mundo nunca precisou tanto dela”. É ela, segundo o escritor carioca, o antídoto para uma época abarrotada de verdades prontas.

Contra os modelos de sucesso vendidos por uma avalanche de coachings e blogueiros de lifestlyle, que hoje disputam lugar com os livros de autoajuda, Castello resgata algo mais eficaz para lidar com os eventos cotidianos da realidade real: a dúvida, entendida na sua fala não só como o questionamento daquilo que está fechado, pronto, supostamente acabado, como também a postura de viver a vida sem buscar obediências, se a modelos, líderes, coachings, influenciadores, etc.

Por assim dizer, e no resgate aos objetivos da literatura, Castello nos lembra que ela, contrária à correnteza da certeza e das realidades forjadas e blindadas dos enredos de coachings, não trabalha com prescrições e alentos prontos. Seus enredos afeitos a revelar como as coisas são de fato na realidade do mundo e do homem, permite aos homens o exercício de lida e leitura do real - através de meios como a ficção, a fantasia, a poesia, o mito.

Assim, comparando os modelos prontos com a 'dúvida da literatura', Castello nos faz lembrar que o papel da literatura não é o de conduzir, ditar, dar pronto, mas munir os homens de perguntas e histórias para possibilitar-lhes serem menos desorientados em vida.

Castello:

"Caio Fernando de Abreu contava uma comovente história de Clarice Lispector. Em Porto Alegre, depois de uma mesa-redonda, ele a convidou para uma caminhada pela Rua da Praia. Vasculharam livrarias, visitaram lojas, até que, exaustos, pararam para um café. Ele percebeu, então, que o humor de Clarice mudara. Parecia inquieta. “O que está havendo?”, perguntou ele. E ela, serenamente, respondeu: “É que eu queria saber: em que cidade nós estamos mesmo?”.

A história, delicada, estimula interpretações psicológicas ou mesmo médicas: estresse, esgotamento nervoso, uma pequena desorientação. Para além disso, no entanto, resume um aspecto crucial da personalidade de Clarice: a fome, insaciável, de perguntas. Ela nunca se sentia inteiramente segura. O mundo a intrigava – e a desassossegava. Até hoje muitos a definem como uma mulher estranha.

Mas como enfrentar um mundo tão pronto como o nosso senão com a dúvida? Livros de autoajuda, fórmulas mágicas de felicidade, padrões estéticos opressivos, dogmas sagrados que não admitem refutação: nossa vida está empanturrada de verdades. Em um universo saturado de respostas, a literatura, que se alimenta da incerteza e do perigo, conclui-se, perdeu o sentido. Pois não penso assim. Contra todos os que dizem que a literatura está decadente e ultrapassada, afirmo: o mundo nunca precisou tanto dela."

CASTELLO, José. Sábados inquietos. São Paulo: Leya, 2013, p. 33.

domingo, 4 de novembro de 2018

Para Maria da Graça e para adultos

A bela crônica de Paulo Mendes Campos, intitulada "Para Maria da Graça" foi escrita como se fosse uma carta de introito da vida adulta para uma menina que acaba de completar os seus 15 anos - a referida Maria da Graça -, a carta revela a vida adulta para adultos vividos, e que já estão longe de seus 15 anos.

No tom do bom e amigo conselho de gente vivida, e a partir de uma possível interpretação do clássico Alice no País das Maravilhas, o narrador faz recomendações e advertências para uma das mais constantes armadilhas da vida adulta: o deslumbramento com as boas experiências de vida e a decepção excessiva com as ruins, recordando que ambas são possíveis de serem serenadas com as bem sabidas saídas da gente vivida: o bom humor e a resiliência.

A crônica (que, a essa altura, já é conto e carta):

Para Maria da Graça
Agora, que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.
Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.
Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade. A realidade, Maria, é louca.
Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: “Fala a verdade Dinah, já comeste um morcego?”
Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. “Quem sou eu no mundo?” Essa indagação perplexa é lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.
A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: “Estou tão cansada de estar aqui sozinha!” O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada ou vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.
Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial, e temos a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo.
Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem toda sabedoria tem de ser grave.
A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: “Oh, I beg your pardon” Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: “Gostarias de gato se fosses eu?”
Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que, quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: “A corrida terminou! mas quem ganhou?” É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre onde quiseres, ganhaste.
Disse o ratinho: “A minha história é longa e triste!” Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: “Minha vida daria um romance”. Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance só é o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energeticamente, dos homens e das mulheres que suspiram e dizem: “Minha vida daria um romance!” Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.
Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: “Devo estar diminuindo de novo” Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.
E escuta a parábola perfeita: Alice tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom-humor. Toda a pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.
Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: “Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas”.
Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

Paulo Mendes Campos. Primeiras leituras: crônicas. São Paulo: Boa Companhia, 2012, p. 85.

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Falência da Literatura


Um descontentamento recente, senão sentimento de não mais pertencimento de algum modo à minha própria área de estudo, tem há algum tempo, me feito pensar e refletir sobre o que define a Literatura hoje e qual a situação atual da Literatura enquanto área de estudo nas escolas e universidades.
Para quem estuda ou ensina Letras e, mais especialmente, para quem estuda ou ensina Literatura, creio cada vez ir ficando mais claro que a sua área de ensino está bastante mudada. Sem precisar de profundas análises, é evidente que a Literatura, hoje, está de cara diversa daquela a que fomos apresentados há não muito tempo na graduação, mesmo nas escolas. Hoje, dito de modo sumular, a Literatura está se representando e representada através dos autores e obras produzidos pelos negros, pelas mulheres, pelos grupos étnicos marginalizados, e mais recentemente, pelos gays - com toda a ideologia que todos carregam enquanto grupo social.
O cânone universal conhecido, composto por nomes constelares como, por exemplo e para ficar com alguns poucos, os de Shakespeare, Dostoievski, Melville, e, no Brasil, Machado, Alencar, Rosa, no qual a literatura sempre se apoiou e pelos quais se apresentou, seja como disciplina ou área, perdeu força para representá-la e perpetuá-la; e hoje, salvo raros casos, ainda orientam as atividades dos cursos de Letras e das disciplinas de Literatura nas escolas.
Professores e críticos tentaram (e alguns ainda tentam) se lançar à tentativa de adequar suas leituras e estudos sobre os autores canônicos aos temas, ideologias e causas desses grupos de minoria, de modo, inconsciente ou consciente, a lançar um bote salva vidas à área, mas não precisou muito tempo e muitas produções para se perceber, salvo algumas exceções – entre as quais, não deixo de lembrar um caso de excelência: os trabalhos e disciplinas do professor Alfredo César Melo na Unicamp sobre os autores ícones nacionais da literatura -, que esse procedimento não serviria de modelo resistente, aplicável para boa parte das obras, e garantia de sua continuação.
O ótimo momento de edição de livros no Brasil e no mundo lança alguma contribuição no que diz respeito ao resgate de muitas obras e textos ditos consagrados, da tradução e edição de peças inclusive raras do campo literário, mas o fenômeno por si só não dá conta de uma durável valorização desses autores nem promove ou ajuda a promover o tipo de ressuscitação necessária à área de Literatura, uma vez que os lugares em que essa produção mais escoaria, lhe fornecendo contribuição maior para uma duração decisiva, isto é, o curso de Letras com o campo da Literatura e uma ou outra revista literária, não mais tem-lhe como prioridade. 
O fenômeno editorial se apoia em projetos editoriais de interesse e encomendas privadas e ligada a setores outros que não primeiramente o de Letras, e somente promove um tempo de vida estendido àquelas obras associadas a eventos temáticos, produções cinematográficas, homenagens diversas, coisas do tipo.

Os profissionais da área e as instituições onde a disciplina existe, se escolas ou universidades, ainda é aos poucos que tomam consciência dessa nova configuração e situação da Literatura. E foi/tem sido paulatina a entrada e recepção maior da Literatura de identidade dos grupos sociais por ambos. Primeiro, o que antes era um trabalho sobre alguma das produções desses grupos em alguma disciplina, passou para uma disciplina especial em algum semestre, em seguida, uma disciplina letiva do semestre, até, por fim, chegar à condição de hoje: a maior parte da ementa do curso, o tema por excelência das seleções e concursos da área, dos seminários e das reuniões literárias mais celebradas no país e fora dele; conjunto que então perpetua a identidade da Literatura enquanto disciplina, como a dos grupos sociais, e também instaura o referencial identitário das produções ficcionais que ficam em voga.
Dada a direção que as coisas tomaram e a condição atual da área, tanto admitir como submeter-se à literatura de nova forma, i.e. colocar-se passo a passo com a identidade diversa da área, atualizando os cursos de Letras com disciplinas ligadas às obras e aos autores de minoria, vem antes de qualquer escolha ou manifestação de gosto e/ou concordância, passou a ser a condição imprescindível para a sobrevivência da Literatura enquanto área de estudo. De modo tal que as instituições, os cursos, os professores e a crítica que não se conscientizar da mudança do campo, ou insistir em ignorar os fatos e tentar continuar ferrenhamente apegados aos modelos de estudo e critica vencidos da literatura canônica universal e nacional, se tornam os maiores agentes dos mais fatais golpes à própria área, prejudicando a sua retomada e também provocando a rarefação ainda maior da área de estudo.
Quando essa mudança de configuração da Literatura começa no país, e o que a causa e vem lhe definir, são investigados, no Brasil, e talvez pela primeira vez, pelo professor da Unicamp, Alcir Pécora, após ele mesmo ter sentido (o próprio Alcir confessa), em dado momento da sua longa atuação docente e sob as mudanças referidas, ter ficado decisivo tanto para ele enquanto professor de Literatura, quanto para a Literatura enquanto disciplina acadêmica, como para a literatura no geral, repensar a situação atual da literatura e as relações da literatura com as Humanidades e com o campo inteiro da cultura.
Em comunicação de invariável primor intelectual e de reflexão indispensável, proferida em Coimbra em 2015, divulgada pela Revista Sibila (online) em 2016, nomeada “A musa falida”, Alcir pontua cinco pontos (ou causas) que julgou determinantes para a mudança do campo, intitulando cada um deles; e com essa comunicação declarativa, deixa como uma espécie de carta aos estudantes de Letras, aos professores da área e às instituições em que ainda o ensino de Literatura é feito.
Apresento três dos cinco pontos que Alcir Pécora julgou decisivos para a Literatura ter se tornado hoje eminentemente de grupos sociais marginalizados, bem como estar vivendo o tipo de situação de rarefação que está. São eles: 1º) a crise da ideia nacional, ou do Estado-nação – causada pela globalização; 2º) o questionamento da ideia de Literatura como representação – provocado pelo nascimento da Epistemologia; 3º) a cooptação da Literatura com as ideologias das minorias – iniciada com o advento da luta dos negros pelos direitos civis nos anos 60, nos EUA, e os demais movimentos que posteriormente surgiriam indiretamente motivados pelas conquistas desse: o feminismo, o movimento gay, o latino-americano, entre outros. E em seguida, e finalmente, deixo aqui o texto na íntegra, tanto para conhecimento melhor dos demais, quanto para uma reflexão individual e mais profunda do assunto em si.
No primeiro dos pontos, que Alcir nomeia “teleologia nacionalista em xeque”, ele faz a articulação entre os termos da formação do moderno Estado-nação e os papeis atribuídos à Literatura no âmbito das universidades – como informa, tomando por base e seguindo procedimento equivalente ao de Bill Readings, no livro “University in Ruins”, no qual este autor avalia as Humanidades no âmbito das universidades americanas e britânicas.
Explica que exatamente neste momento preciso de constituir fisicamente a comunidade associada à região de origem, acompanhou-lhe a necessidade de constituir também a ideia de comunidade, momento em que se descobriu que “a literatura mais que qualquer outro campo do conhecimento pode produzir o sentimento de pertença entre as pessoas que constituem uma nação” e se apostou nela como “a grande hipótese de reforço do sentimento de ligação entre as pessoas que participavam desse Estado-nação”, e ela passou a “cúmplice decisiva na invenção do sentimento nacional”.
Alcir explica como, neste ponto, simultaneamente, a literatura tanto recebeu a sua projeção particular sobre as demais áreas, quanto surgiu a noção de que grandes historiadores literários passam a ser aqueles que submetem a literatura à constituição de um campo nacional orgânico – ou, em outras palavras, “o autor é grande quando se põe a serviço da constituição de uma nacionalidade autônoma e independente”. Deste ponto, a Literatura tanto fica definida por ser um texto de representação do real, quanto os textos mais aclamados são aqueles com representação do nacional – ordem que passa a ser fundante da orientação para a produção de textos literários, quanto para a crítica dos mesmos.
E assim funciona até por volta de meados do século XX, quando então ocorre a crise da questão nacional, primeiro provocada pela falência (e o ideal) dos estados nacionais após as grandes guerras, e, em seguida, e de modo mais determinante e hoje cada vez mais forte, pelo fenômeno da globalização. A globalização instaurou a perda do sentimento de soberania nacional. A partir de então, Alcir comenta, “de um modo ou de outro, [fomos obrigados] a desnaturalizar o Estado-nação como fulcro da história dos povos, e, por conseguinte, como orientação da história literária.” O resultado disso foi a Literatura e o cânone como representação do nacional serem postos em xeque.
O segundo dos cinco pontos referido por Alcir é nomeado “crise dos modelos de representação”. Nele trata da grande mudança instaurada pelas questões sobre a linguagem, a partir, sobretudo, da “peripécia epistemológica gerada” (rs) (ou, surgimento da Epistemologia), com a publicação póstuma em 1953 de “Philosophical Investigations” de Wittgenstein.
Essa critica basicamente postula que o funcionamento da linguagem não pode ser entendido na esfera da representação, “que se traduziria melhor como uma hipostasia da representação, pois ela funciona em seus próprios termos mesmo que represente aquilo que se supõe representado nela”. Um exemplo fácil para compreender esse conceito, é o dizer dos historiadores “narrativas e discursos da história”, que é: algo bem diverso de sustentar o fato como matéria prima da documentação.
Alcir argumenta: “a crítica da representação evidencia a opacidade da linguagem que nada reflete sem a contaminação da coisa pelos seus próprios mecanismos, sem atraí-la para as suas próprias disposições, sem filtrá-la por suas convenções, sem inventá-la como existência das armadilhas que ela mesma prepara. Esse tipo de crítica complica admiravelmente as hipóteses tradicionais sobre a intuição psicológica da literatura, pois que penetração subjetiva, que intimidade do sujeito ou rasgo do inconsciente podem aparecer no texto, quando boa parte que descrevemos como sendo do sujeito, não passa de convenção da linguagem?”.
O resultado final desse tipo de crítica da representação será a “critica de paradigmas”, quando os grandes modelos de observação e interpretação do real entram em crise. “Já não há mais um discurso assentado sobre as coisas que garantisse a objetividade das observações críticas.” Deste modo, “ a critica passou a operar como opinião, arrazoado, argumento”. E, assim, fica óbvio, o que então sempre havia persistido para a Literatura, a ideia da literatura como representação, passa a ser desvalorizado, e os modelos tradicionais de narrativa e o próprio texto literário, senão invalidado, no mínimo desmotivado.
Essa crise abalou também a confiança para exercer juízos seguros sobre as obras e a própria critica – antes seguras no modelo marxista, e abriu espaço para a valorização de comentários e juízos pessoais puramente. No último dos pontos elencados por Alcir, em que trata da literatura das mídias sociais, ele ilustra ainda melhor como tem sido o papel da literatura e da crítica hoje. Observa: “o que aparece ali como literatura, em geral, está associado à criação de uma comunidade, mesmo que não haja liga real, experiência comum real, no âmbito dessa comunidade. Ao fazer circular um texto na rede, não importa muito se esse texto é literariamente relevante, mas importa muito que a sua circulação seja. Daí que, muitas vezes, nem é um “texto” o que se publica e sim uma recolha de frases [...] E nem textos extraordinários são o que se busca na rede. O que mais conta é que as tais frases sejam capazes de relacionar pessoas num gosto, nem gesto. [...] A literatura subsidiária desse tipo de escrito e publicação vale como pedra de fundação ou ampliação de uma comunidade, e a comunidade, por sua vez, tem a mesma medida de uma “subjetividade expandida”, homóloga daquele que participa dela.”
E finalmente conclui: “diante desse objetivo de expansão subjetiva, que sentido tem um crítico se apresentar diante dos amigos e dizer que aquele texto não vale na literariamente? Pior: que importância tem? O seu papel é apenas o de um censor, de um intruso, uma vez que a literatura opera aí apenas como pretexto de um suporte constituinte da amizade. Insistir em proferir juízos estéticos nessa situação é agir como parvo.” A universalidade e a autoridade ficaram abaladas no juízo critico. E a literatura, novamente, tem outras formas de recepção e configuração.
Deixando esse salto à literatura que as mídias sociais configuram e voltando à literatura cooptadas às ideologias dos movimentos sociais, se chega ao terceiro ponto mencionado por Alcir Pécora, que talvez seja o que melhor lança luz a essa aparência social e ao cunho eminentemente sociológico que tanto as obras literárias que hoje dominam o espaço literário, quanto a área de estudo Literatura na universidade, tem tido. Justamente nomeado “literatura cooptada”, Alcir comenta sobre o advento dos chamados estudos culturais, ocorrido nos Estados Unidos, com espetacular desenvolvimento nos anos 1960 aos nossos dias.
Explica: “os estudos culturais, como é sabido, nascem dos movimentos dos direitos cívicos, associados, num primeiro momento, às lutas dos negros. Esses movimentos tiveram um rebatimento decisivo dentro da discussão universitária, e particularmente da discussão literária, nos termos daquilo que ficou conhecido como o debate do cânone. [...] O que aconteceu a partir da discussão do cânone é que, de repente, revelava-se haver uma política das hierarquias culturais e não uma lei inscrita no campo da literatura. Aquilo que parecia inscrito na própria ordem das coisas e da história, a ideia de literatura, como disse antes, naturalmente implicada nos processos históricos do Estado-nação, de repente apresentou-se como coação deliberada de uma elite que controlava o conjunto dos textos que valia a pena estudar. As questões se sucediam com contundência dramática e irrespondível: por que não existem negros no cânone? Não há autores negros que valha a pena ler? [...] O que começou com os negros passou para a questão das mulheres: porque não há nenhuma mulher no cânone literário nacional?. [...] Depois de negros, mulheres, latinos, o domínio seguinte atingido pela expansão da desconfiança em relação à literatura é o da orientação sexual, talvez hoje a que está mais no foco das discussões internacionais, tendo até a sua própria rubrica acadêmica nos termos da chamada “queer literature” ou literatura gay: se o cânone excluía raça e gênero, é certo que excluía também práticas sexuais diversas da considerada padrão.
As ideias que, como vimos, estavam na base da ideia de universidade – a saber, que a literatura constitui o corpo central de um edifício racional, democrático, e a que todos devem ter acesso para compreender aquilo que é mais verdadeiro e forte no interior dos valores nacionais -, revelam-se agora a máscara ideológica perversa de um enorme processo de exclusão social. [...] Nomes de escritores gays, negros, latinos, de mulheres, são sugeridos a ocupar o cânone, que passa por uma expansão, com base no argumento da diversidade de perspectivas, considerada mais representativa e democrática. [...] Desse ponto de vista, a rigor, a literatura inteira foi repensada como ‘testemunho’, quer dizer, como depoimento pessoal, mas também social, que contribui para a expressão de um sofrimento, de uma experiência traumática, e para a sua assimilação adequada de modo a reequilibrar de maneira mais justa a sociedade a que diz respeito. [...] O importante passa a ser justamente levantar, incentivar, e promover os testemunhos dos grupos mais atingidos pelas exclusões antidemocráticas. [...] São esses os relatos que passam a ocupar o novo núcleo do valor narrativo e literário.”
A discussão política do cânone levou a um questionamento dos tidos grandes autores, os currículos tradicionais de Letras foram duramente criticados "e a literatura, por sua vez, foi repensada nesse conjunto de discussões menos como prática artística ou função estética, do que como “direito” dos grupos sociais – o que é muito diferente de como eram pensados nos termos do Estado-nação, enquanto partes de um corpo nacional, racional e universal, cuja autonomia devia ser procurada na soberania do conjunto e não nas exigências das partes."
Alcir encerra essa discussão chamando a atenção para o fato de que "não é o desejo de democracia, mas o empoderamento econômico e social que passa a buscar um lugar prestigioso de representação cultural, como lhe é lembrado pelo livro “Cultural Capital” de John Guillory. E clama para a reflexão de que até que ponto a arte reduziu o espectro de sua apreciação ao gesto de denúncia sociológica.
Está óbvio que a Literatura deve também acompanhar e ser o meio de expressão e voz, para tanto os grupos marginalizados reclamar, quanto expor os seus direitos; que os currículos escolares e dos cursos de Letras devam ceder ao processo já estabelecido e em curso - e aqui, como também no texto de Alcir, não há nenhuma aversão a isso. Alcir - como aqui também espero eu ter feito - somente traz à tona a discussão e o apelo à reflexão de até onde todas essas transformações têm chegado e no que têm se transformado; que identidade a Literatura passa a assumir, que espaço a Literatura passa a ocupar nas universidades, nas mídias e noutros meios de produção; o que ou quem passam a constituir a crítica artística, e, finalmente, que textos passam a ser considerados literatura.
Já ao final de sua comunicação, Alcir encerra insistindo que se recorde e se lembre do aspecto genuíno literário: "é claro que eu não vislumbro tampouco saída para esse quadro de crise. Mas eu gostaria de insistir em algumas alternativas de reflexão que tivessem da arte e da literatura sentido menos instrumental de desvendamento de processos sociais, intelectuais, ou sejam quais forem, para enfim reafirmar a ideia de que o interesse da obra de arte reside irresistivelmente na forma que adquire o seu fazer, e, portanto, na sua constituição como obra."
Aqui fica um ponto a partir do qual será possível partir em retomada às discussões sobre Literatura.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Discurso de Obama ao centenário de Nelson Mandela

Foi com bastante atraso que li na íntegra o discurso de Barack Obama em homenagem ao centenário de Nelson Mandela, pronunciado em 17 de julho, em Joanesburgo.
A segunda parte de sua fala é imperdível. Após reconhecer os avanços reais que o nosso mundo fez desde o momento em que Madiba deu os primeiros passos do confinamento, Obama passa a reconhecer algumas das maneiras pelas quais a ordem internacional ficou aquém de sua promessa, dando exemplos de como estruturas anteriores de privilégio e poder e injustiça e exploração nunca desapareceram completamente - como nunca foram totalmente desalojados.
E durante as últimas décadas do século XX, a visão progressista e democrática que Nelson Mandela representou de muitas maneiras definiu os termos do debate político internacional. Isso não significa que a visão foi sempre vitoriosa, mas estabeleceu os termos, os parâmetros; guiou como pensamos sobre o significado do progresso e continuou a impulsionar o mundo para frente. Sim, ainda havia tragédias – sangrentas guerras civis dos Bálcãs ao Congo. Mas apesar do fato de que o conflito étnico e sectário ainda incendiou com regularidade devastadora, apesar disso, os acordos de desarmamento nuclear, um Japão pacífico e próspero, uma Europa unificada ancorada na OTAN, a entrada da China no sistema mundial de comércio – tudo isso reduziu enormemente a perspectiva de guerra entre as grandes potências mundiais. E da Europa até a África, passando pela América Latina e pelo Sudeste Asiático, as ditaduras começaram a dar lugar às democracias. A marcha avançava. O respeito pelos direitos humanos e pelo estado de direito, enumerados em uma declaração das Nações Unidas, tornou-se a norma orientadora para a maioria das nações, mesmo em lugares onde a realidade ficou muito aquém do ideal. Mesmo quando esses direitos humanos foram violados, aqueles que violaram estavam na defensiva.
E com essas mudanças geopolíticas vieram mudanças econômicas gigantescas. A introdução de princípios baseados no mercado, nos quais economias anteriormente fechadas, juntamente com as forças da integração global impulsionadas por novas tecnologias, de repente liberaram talentos empresariais àqueles que já haviam sido relegados à periferia da economia mundial, com as quais não haviam contado. De repente, eles contaram. Eles tinham algum poder; eles tinham as possibilidades de fazer negócios. E então vieram avanços científicos e novas infraestruturas e a redução de conflitos armados. E, de repente, um bilhão de pessoas foram retiradas da pobreza, e assim as nações famintas conseguiram se alimentar, e as taxas de mortalidade infantil despencaram. E enquanto isso, a disseminação da internet possibilitou que as pessoas se conectassem através dos oceanos, que culturas e continentes instantaneamente fossem reunidos e, potencialmente, que todo o conhecimento do mundo pudesse estar nas mãos de uma criança pequena, mesmo na aldeia mais remota.
Foi o que aconteceu no decorrer de algumas décadas. E todo esse progresso é real. Tem sido amplo e profundo, e tudo isso aconteceu – pelos padrões da história humana – em nada mais do que um piscar de olhos. E agora toda uma geração cresceu e vive em um mundo que, de maneira geral, se tornou cada vez mais livre, mais saudável, mais rico, menos violento e mais tolerante.
Isso deveria nos deixar esperançosos. Mas se não podemos negar os avanços reais que o nosso mundo fez desde o momento em que Madiba deu os primeiros passos do confinamento, também temos de reconhecer todas as maneiras pelas quais a ordem internacional ficou aquém de sua promessa. De fato, é em parte por causa dos fracassos dos governos e das poderosas elites em responder diretamente às deficiências e contradições dessa ordem internacional, que vemos agora grande parte do mundo ameaçando a retroceder a um modo mais antigo, mais perigoso, mais brutal de fazer negócios.
Portanto, temos de começar admitindo que quaisquer leis que possam ter existido nos livros, quaisquer que sejam os pronunciamentos maravilhosos existentes nas constituições, quaisquer palavras bonitas que tenham sido pronunciadas durante estas últimas décadas em conferências internacionais ou nos salões das Nações Unidas, as estruturas anteriores de privilégio e poder e injustiça e exploração nunca desapareceram completamente. Eles nunca foram totalmente desalojados. As diferenças de castas ainda afetam as chances de vida das pessoas no subcontinente indiano. Diferenças étnicas e religiosas ainda determinam quem recebe oportunidades na Europa Central ou no Golfo. É um fato claro que a discriminação racial ainda existe nos Estados Unidos e na África do Sul. E também é fato que as desvantagens acumuladas em anos de opressão institucionalizada criaram enormes disparidades em termos de rendimento, riqueza, educação, saúde, segurança pessoal e acesso ao crédito. Mulheres e meninas em todo o mundo continuam impedidas de obter de posições de poder e de autoridade. Muitas continuam impedidas de obter uma educação básica. Elas são desproporcionalmente vitimadas pela violência e pelo abuso. Elas ainda recebem menos que os homens por fazer o mesmo trabalho. Isso ainda está acontecendo. Oportunidade econômica, apesar de toda a magnificência da economia global, de todos os arranha-céus brilhantes que transformaram a paisagem ao redor do mundo, ainda deixou de lado bairros inteiros, cidades inteiras, regiões inteiras e mesmo nações inteiras.
Em outras palavras, para muitas pessoas, quanto mais as coisas mudam, mais as coisas permanecem as mesmas.
E se por um lado a globalização e a tecnologia abriram novas oportunidades, impulsionaram um crescimento econômico notável em partes do mundo anteriormente em dificuldades, ela também prejudicou os setores agrícola e manufatureiro em muitos países. Também reduziu bastante a demanda por certos trabalhadores, ajudou a enfraquecer os sindicatos e o poder de barganha do trabalho. Tornou mais fácil para o capital evitar as leis tributárias e os regulamentos dos estados-nação – hoje é possível movimentar bilhões, trilhões de dólares com um toque na tecla de um computador.
E o resultado de todas essas tendências foi uma explosão da desigualdade econômica. Hoje algumas dezenas de indivíduos controlam a mesma quantidade de riqueza que a metade mais pobre da humanidade. Isso não é um exagero, é uma estatística. Pensem sobre isso. Em muitos países de renda média ou naqueles em desenvolvimento, a nova riqueza seguiu o mesmo padrão de mau negócio que já existia anteriormente e reforçou ou até agravou os padrões existentes de desigualdade, sendo que a única diferença é que criou oportunidades ainda maiores de corrupção numa escala épica. Por outro lado, para famílias sólidas de classe média em economias avançadas como os Estados Unidos, essas mudanças trouxeram maior insegurança econômica, especialmente para aqueles que não têm habilidades especializadas, pessoas que estavam na indústria, trabalhando em fábricas ou trabalhando em fazendas.
Em todos os países, a influência econômica desproporcional dos que ocupam o topo tem proporcionado a esses indivíduos uma influência desproporcional sobre a vida política de seus países e sobre sua mídia; com isso, políticas contrárias aos seus interesses são perseguidas e interesses contrários aos seus acabam sendo ignorados. Agora, deve-se notar que esta nova elite internacional, a classe profissional que os sustenta, difere em aspectos importantes das aristocracias dominantes de antigamente. Inclui muitos que se fizeram sozinhos. Inclui os campeões da meritocracia. E embora ainda predominantemente brancos e masculinos, eles refletem uma diversidade de nacionalidades e etnias que não existiriam há cem anos. Uma porcentagem relevante considera-se liberal em sua ideologia, moderna e cosmopolita em sua perspectiva. Destituídos de paroquialismo, nacionalismo, ou preconceito racial manifesto ou forte sentimento religioso, eles estão igualmente à vontade em Nova York, Londres, Xangai, Nairóbi, Buenos Aires ou Joanesburgo. Muitos são sinceros e eficazes em sua filantropia. Alguns deles colocam Nelson Mandela entre seus heróis. Alguns até apoiaram Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos, e em virtude do meu status como ex-chefe de Estado, alguns deles me consideram um membro honorário do clube. E eu fui convidado para essas coisas extravagantes, sabem? Eles me expulsarão.
Mas a verdade é que em seus negócios, muitos titãs da indústria e das finanças estão cada vez mais afastados de qualquer local ou estado-nação, e vivem vidas cada vez mais isoladas em relação à luta das pessoas comuns em seus países de origem. E suas decisões – suas decisões de fechar uma fábrica, ou tentar minimizar sua tributação transferindo lucros para um paraíso fiscal com a ajuda de contadores ou advogados caros, ou sua decisão de aproveitar mão-de-obra imigrante de baixo custo, ou sua decisão de pagar suborno – são muitas vezes feitas sem malícia; é apenas uma resposta racional, eles consideram, às demandas de seus balanços e seus acionistas e pressões competitivas.
Mas, com muita frequência, essas decisões também são tomadas sem referência de solidariedade humana – ou de um entendimento básico das consequências negativas que essas decisões trarão para determinadas pessoas em determinadas comunidades. De suas salas de diretoria, tomadores de decisão globais não têm a chance de ver, às vezes, a dor nos rostos dos trabalhadores demitidos. Seus filhos não sofrem quando os cortes na educação pública e nos cuidados de saúde são resultantes de uma base fiscal reduzida devido à evasão fiscal. Eles não podem ouvir o ressentimento de um comerciante mais velho quando ele reclama que um recém-chegado não fala sua língua em um local de trabalho onde ele sempre trabalhou. Eles estão menos sujeitos ao desconforto e ao deslocamento que alguns de seus conterrâneos sofrem com a globalização que embaralha não apenas os arranjos econômicos existentes, mas os costumes sociais e religiosos tradicionais.
É por isso que, no final do século XX, enquanto alguns analistas ocidentais estavam declarando o fim da história e o inevitável triunfo da democracia liberal e as virtudes da globalização, já existiam sinais de uma reação adversa – uma reação que chegou em muitas formas. Essa reação foi anunciada de forma mais violenta com ataque terrorista de 11 de setembro e o surgimento de redes terroristas transnacionais, alimentadas por uma ideologia que perverteu uma das grandes religiões do mundo e afirmou uma luta não apenas entre o Islã e o Ocidente, mas entre o Islã e a modernidade. E a péssima ideia da invasão do Iraque pelos EUA não ajudou, acelerando esse conflito sectário. A Rússia, já humilhada pela sua reduzida influência desde o colapso da União Soviética, sentindo-se ameaçada pelos movimentos democráticos ao longo de suas fronteiras, repentinamente começou a reafirmar o controle autoritário e, em alguns casos, se intrometer com seus vizinhos. A China, encorajada por seu sucesso econômico, começou a protestar contra as críticas ao seu histórico de direitos humanos; considerando a promoção de valores universais como nada mais que interferência estrangeira, como imperialismo sob um novo nome. Dentro dos Estados Unidos, dentro da União Europeia, os desafios à globalização surgiram primeiro da esquerda, mas vieram mais fortemente da direita, quando começaram crescer movimentos populistas – que, diga-se de passagem, são cinicamente financiados por bilionários de direita que tem como objetivo reduzir as restrições do governo aos seus interesses comerciais – esses movimentos aproveitaram o mal-estar sentido por muitas pessoas que viviam fora dos núcleos urbanos, que temiam que a segurança econômica estivesse se esvaindo, que seu status social e privilégios estivessem se deteriorando, que suas identidades culturais estivessem sendo ameaçadas por estranhos, por alguém que não se parecia com eles ou que não falava ou orava como eles faziam.
E talvez mais do que qualquer outra coisa, o impacto devastador da crise financeira de 2008, em que o comportamento imprudente das elites financeiras resultou em anos de dificuldades para pessoas comuns em todo o mundo, fez com que todas as garantias anteriores de especialistas parecessem vazias – todas aquelas garantias de que os reguladores financeiros sabiam o que estavam fazendo, que alguém estava cuidando da loja, que a integração econômica global era um bem que não podia ser adulterado. Por causa das ações tomadas pelos governos durante e após a crise, incluindo, devo acrescentar, por medidas agressivas da minha administração, a economia global voltou agora a um crescimento saudável. Mas a credibilidade do sistema internacional, a fé em especialistas de lugares como Washington ou Bruxelas, tudo isso levou um golpe.
Com isso uma ideologia de medo, ressentimento e retrocesso começou a aparecer, e esse tipo de ideologia está agora em movimento. Está em movimento a um ritmo que teria parecido inimaginável há alguns anos. Eu não estou sendo alarmista, estou simplesmente mostrando os fatos. Olhem em volta. A ideologia do homem forte está ascendendo repentinamente, por meio da qual as eleições e alguma pretensão democrática são mantidas – sua forma –, mas os que estão no poder procuram minar todas as instituições ou normas que dão significado à democracia. No Ocidente, há partidos de extrema direita que muitas vezes se baseiam não apenas em plataformas de protecionismo e fronteiras fechadas, mas também em um nacionalismo racial nefasto. Muitos países em desenvolvimento agora estão considerando o modelo de controle autoritário da China combinado com o capitalismo mercantilista como preferível à confusão da democracia. Quem precisa de liberdade de expressão enquanto a economia estiver indo bem? A imprensa livre está sob ataque. A censura e o controle estatal da mídia estão em ascensão. A mídia social – antes vista como um mecanismo para promover o conhecimento, a compreensão e a solidariedade – provou ser igualmente eficaz na promoção do ódio, da paranoia e das teorias da conspiração.
Assim, no aniversário de 100 anos de Madiba, estamos agora em uma encruzilhada – um momento no tempo em que duas visões muito diferentes do futuro da humanidade competem pelos corações e mentes dos cidadãos ao redor do mundo. Duas histórias diferentes, duas narrativas diferentes sobre quem somos e quem devemos ser. Como devemos responder?
Acaso deveríamos ver aquela onda de esperança que sentimos com a libertação de Madiba da prisão, do Muro de Berlim descendo? Deveríamos pensar que essa esperança que tínhamos era ingênua ou ignorante? Deveríamos entender os últimos 25 anos de integração global como nada mais que um desvio do ciclo inevitável da história anterior – em que a política é uma competição hostil entre tribos, raças, religiões e nações que disputam em um jogo de soma zero, no qual estaremos constantemente à beira do conflito até que a guerra completa irrompe? É isso que pensamos?
Deixem-me dizer no que eu acredito. Eu acredito na visão de Nelson Mandela. Eu acredito em uma visão compartilhada por Gandhi, King e Abraham Lincoln. Acredito em uma visão de igualdade, justiça, liberdade e democracia multirracial, construída com base na premissa de que todas as pessoas são criadas iguais e dotadas pelo nosso criador de certos direitos inalienáveis. E acredito que um mundo governado por tais princípios é possível e que pode alcançar mais paz e mais cooperação na busca de um bem comum. É nisso que eu acredito.
E acredito que não temos escolha a não ser seguir em frente; que aqueles de nós que acreditam na democracia, nos direitos civis e em uma humanidade comum têm uma história melhor para contar. E eu acredito que isso não se baseia apenas em um sentimento, acredito que seja baseado em evidências concretas.
É fato que as sociedades mais prósperas e bem-sucedidas do mundo, aquelas com os mais altos padrões de vida e os mais altos níveis de satisfação entre seus povos, são aquelas que mais se aproximam do ideal progressista liberal de que falamos e que alimentam os talentos e contribuições de todos os seus cidadãos.
É fato que governos autoritários têm se mostrado repetidamente corruptos porque eles não são responsabilizados por reprimir seu povo, e por eventualmente perder o contato com a realidade; envolvem-se em mentiras cada vez maiores que acabam por resultar em estagnação econômica, política, cultural e científica. Olhem para a história. Olhem para os fatos.
É fato que países que se baseiam em nacionalismo e xenofobia raivosos, que têm doutrinas de superioridade tribal, racial ou religiosa como princípios teóricos para manter as pessoas unidas, são os países que eventualmente serão consumidos por guerras civis ou guerras externas. Confiram nos livros de história.
É fato que a tecnologia não pode ser colocada de volta em uma garrafa, então estamos presos à realidade na qual agora vivemos juntos, e que as populações vão se movimentar de um lugar para outro e que os desafios ambientais não vão desaparecer sozinhos. A única maneira de abordar efetivamente problemas como mudança climática, migração em massa ou doenças pandêmicas será desenvolver sistemas para aumentar a cooperação internacional, não para diminuí-la.
Nós temos uma história melhor para contar. Mas dizer que nossa visão para o futuro é melhor não é dizer que ela irá inevitavelmente vencer. Porque a história também mostra o poder do medo. A história mostra o domínio duradouro da ganância e o desejo de dominar os outros nas mentes dos homens. Especialmente dos homens. A história mostra com que facilidade as pessoas podem ser convencidas a juntar os que parecem diferentes ou adorar a Deus de uma maneira diferente. Então, se formos verdadeiramente continuar a longa caminhada de Madiba em direção à liberdade, teremos de trabalhar mais e teremos de ser mais inteligentes. Nós vamos ter de aprender com os erros do passado recente. E assim, no pouco tempo que me resta aqui, deixem-me sugerir apenas algumas diretrizes para o caminho a seguir, diretrizes que tirei do trabalho de Madiba, das suas palavras, das suas lições de sua vida.
Primeiro, Madiba nos mostrou que se acreditamos na liberdade e na democracia teremos de lutar mais para reduzir a desigualdade e promover oportunidades econômicas duradouras para todas as pessoas.
Agora, não acredito no determinismo econômico. Os seres humanos não vivem só de pão. Mas eles precisam de pão. E a história mostra que as sociedades que toleram grandes diferenças de riqueza alimentam ressentimentos e reduzem a solidariedade e, na verdade, crescem mais lentamente; e que, quando as pessoas alcançam mais do que mera subsistência, elas passam a medir o seu bem-estar comparando-se com seus vizinhos e esperam que seus filhos possam ter uma vida melhor. E quando o poder econômico está concentrado nas mãos de poucos, a história também mostra que o poder político certamente o seguirá – e essa dinâmica corrói a democracia. Às vezes pode ser uma corrupção direta, mas às vezes pode não envolver a troca de dinheiro; é só gente que é tão rica que consegue tudo o que quer, e isso prejudica a liberdade humana.
E Madiba entendeu isso. Isso não é novidade. Ele nos alertou sobre isso. Ele disse: “A globalização pode significar em alguns lugares, como tantas vezes acontece, que os ricos e os poderosos agora têm novos meios para se enriquecer e fortalecer a si mesmos à custa dos mais pobres e mais fracos, [então] temos a responsabilidade de protestar em nome da liberdade universal “. Isso foi o que ele disse. Então, se estamos falando sério sobre a liberdade universal hoje, se nos preocupamos com a justiça social hoje, temos a responsabilidade de fazer algo a respeito. E eu respeitosamente emendaria o que Madiba disse. Eu não faço isso com frequência, mas eu diria que não é o suficiente protestarmos; vamos ter de construir, vamos ter de inovar, vamos ter de descobrir como podemos fechar esse abismo crescente de riqueza e oportunidade, tanto dentro dos países como entre eles.
E como conseguiremos isso vai variar de país para país, e sei que o novo presidente de vocês está empenhado em arregaçar as mangas e tentar fazê-lo. Mas podemos aprender com os últimos 70 anos que isso não envolverá capitalismo desregulado, desenfreado e antiético. Também não envolverá o socialismo antigo de comando e controle pelo topo. Isso já foi tentado; não funcionou muito bem. Para quase todos os países, o progresso dependerá de um sistema de mercado inclusivo – que ofereça educação para todas as crianças, que proteja a negociação coletiva e assegure os direitos de todos os trabalhadores, que acabe com monopólios para incentivar a concorrência entre pequenas e médias empresas, que possua leis que erradique a corrupção e que garanta negociações justas nos negócios, que mantenha alguma forma de tributação progressiva para que os ricos ainda sejam ricos, mas que devolvam um pouco para garantir que todos tenham algo e que se possa oferecer saúde universal, segurança na aposentadoria e investimentos em infraestrutura e pesquisa científica para que se construa plataformas de inovação.
Eu devo acrescentar, a propósito, mesmo eu estando realmente surpreso com a quantidade de dinheiro que tenho, e deixem-me dizer uma coisa: eu não tenho metade da maioria dessas pessoas ou mesmo um décimo ou um centésimo. Há um máximo de coisas que você pode comer. Há um tamanho máximo de casa que você pode ter. Há uma quantidade máxima de viagens que você pode fazer. Quero dizer, é o suficiente. Você não precisa fazer voto de pobreza apenas para dizer: “Bem, deixe-me ajudar algumas pessoas – deixe-me ver aquela criança lá fora que não tem o suficiente para comer ou para estudar, deixe-me ajudá-la. Pagarei um pouco mais em impostos. Tudo bem. Eu posso pagar.” Quero dizer, isso mostra uma falta de ambição de apenas querer acumular mais e mais e mais, em vez disso prefiro dizer: “Uau, eu tenho muito. Quem eu posso ajudar? Como posso dar mais e mais e mais?” Isso é ambição. Isso é impacto. Isso é influência. Que presente incrível é poder ajudar as pessoas, não apenas você… Onde eu estava? Dei uma improvisada, mas vocês entenderam meu ponto.
Isso envolve promover um capitalismo inclusivo tanto dentro das nações como entre as nações. E, como perseguimos, por exemplo, os objetivos de desenvolvimento sustentável, temos de superar a mentalidade de caridade. Temos de levar mais recursos para os bolsos esquecidos do mundo através do investimento e do empreendedorismo, porque há talento em todo o mundo se for dada uma oportunidade.
Quando se trata do sistema internacional de comércio, é legítimo que os países mais pobres continuem a buscar acesso aos mercados mais ricos. E, a propósito, mercados mais ricos, esse não é o maior problema que vocês estão tendo – que um pequeno país africano está vendendo chá e flores para vocês. Esse não é o seu maior desafio econômico. Também é apropriado para as economias avançadas, como os Estados Unidos, insistirem na reciprocidade de países como a China, que não são mais países pobres, e garantir o acesso aos seus mercados sem tomar em troca a nossa propriedade intelectual ou hackear nossos servidores.
Mas mesmo que haja discussões em torno do comércio exterior, é importante reconhecer uma realidade: a terceirização de empregos de norte a sul, de leste a oeste, era uma tendência dominante no final do século XX, mas o maior desafio para os trabalhadores em países como o meu hoje é a tecnologia. E o maior desafio para o novo presidente de vocês a fim de empregar mais pessoas aqui também será a tecnologia, porque a inteligência artificial é uma realidade e está acelerando, teremos carros sem motorista, teremos mais e mais serviços automatizados, e isso obrigará o trabalho a ser mais significativo, teremos de ser mais criativos, e esse pacto de mudança irá nos exigir uma re-imaginação fundamental de nossos arranjos sociais e políticos, para proteger a segurança econômica e a dignidade.
Segundo, Madiba nos ensina que alguns princípios são realmente universais – e o mais importante é o princípio de que estamos unidos por uma humanidade comum e que cada indivíduo tem dignidade e valores inerentes.
Agora, é surpreendente que tenhamos de afirmar esta verdade ainda hoje. Mais de um quarto de século depois que Madiba saiu da prisão, eu ainda tenho de ficar aqui em uma aula dedicando tempo para dizer que negros e brancos e asiáticos e latino-americanos e mulheres e homens e gays e heterossexuais, somos todos humanos, que nossas diferenças são superficiais e que devemos tratar uns aos outros com cuidado e respeito. Eu achava que já era para sabermos disso. Eu achava que essa noção básica estava bem estabelecida. Mas acontece que, como estamos vendo essa recente tendência à política reacionária, percebemos que a luta pela justiça básica nunca está realmente acabada. Então temos de estar constantemente atentos e lutar contra pessoas que buscam se elevar colocando alguém para baixo. E, a propósito, também temos de resistir ativamente – isso é importante, particularmente em alguns países da África, como a pátria de meu pai. Já fiz isso antes – temos de continuar batendo na tecla a respeito da noção de que os direitos humanos básicos, como a liberdade de discordância, ou o direito das mulheres de participar plenamente da sociedade, ou o direito das minorias à igualdade de tratamento, ou os direitos das pessoas de não serem espancadas ou presas devido de sua orientação sexual – temos de ter cuidado para não dizer que de alguma forma essa luta não se aplica a nós, que essas são ideias ocidentais, e não imperativos universais.
Mais uma vez, Madiba, ele antecipou as coisas. Ele sabia do que estava falando. Em 1964, antes de receber a sentença que o condenou a morrer na prisão, ele explicou do banco dos réus que “A Carta Magna, a Declaração de Direitos Humanos são documentos que são mantidos em veneração pelos democratas em todo o mundo”. Em outras palavras, esses livros não foram escritos por sul-africanos, então não era possível reivindicá-los. Ele disse que é parte da sua herança. É parte da herança humana. Isso se aplica aqui neste país, para mim e para vocês. E isso é parte do que lhe deu a autoridade moral que o regime do apartheid nunca poderia reivindicar, porque ele estava mais familiarizado com os melhores valores do que eles. Ele leu os documentos do apartheid com mais cuidado do que eles. E prosseguiu dizendo: “A divisão política baseada na cor é inteiramente artificial e, quando ela desaparece, a dominação de um grupo de cores por outro também some”. Isso é Nelson Mandela falando em 1964, quando eu tinha três anos de idade.
O que era verdade então, permanece verdadeiro hoje. Verdades básicas não mudam. É uma verdade que pode ser adotada pelos ingleses, pelos indianos, mexicanos, pelos luos, pelos bantus e pelos americanos. É uma verdade que está no coração de toda religião mundial – que devemos fazer aos outros o que gostaríamos que fizessem a nós. Que nos vemos em outras pessoas. Que podemos reconhecer esperanças comuns e sonhos comuns. E é uma verdade que é incompatível com qualquer forma de discriminação baseada em raça ou religião ou gênero ou orientação sexual. E é uma verdade que, a propósito, quando abraçada, realmente proporciona benefícios práticos, uma vez que garante que uma sociedade possa aproveitar os talentos, a energia e a habilidade de todas as pessoas. E se você duvida, basta perguntar ao time de futebol francês que acabou de ganhar a Copa do Mundo. Porque nem todas essas pessoas se parecem com gauleses para mim. Mas eles são franceses. Eles são franceses.
Abraçar nossa humanidade comum não significa que tenhamos de abandonar nossas identidades étnicas, nacionais e religiosas. Madiba nunca deixou de se orgulhar de sua herança tribal. Ele não deixou de se orgulhar de ser negro e de ser sul-africano. Mas ele acreditava, como eu acredito, que você pode se orgulhar de sua herança sem denegrir os de uma herança diferente. Na verdade, quando você faz isso, você desonra sua herança. Isso me faz pensar que você é um pouco inseguro sobre sua herança se tiver de colocar a herança de outra pessoa para baixo. Sim, está certo. Vocês não sentem que às vezes – de novo, eu estou improvisando aqui – essas pessoas que estão tão concentradas em colocar as pessoas para baixo deixam transparecer o seu coração pequeno, que eles estão com medo de alguma coisa? Madiba sabia que não podemos reivindicar justiça para nós quando ela é reservada apenas para alguns. Madiba entendeu que não podemos dizer que temos uma sociedade justa simplesmente porque substituímos a cor da liderança mantendo um sistema injusto. Não é porque o nosso líder se parece conosco. Se ele continua fazendo a mesma coisa, nós continuamos não tendo justiça. Isso não funciona. Não é justiça se agora que você está no topo, você faz com as pessoas o mesmo que elas faziam com você antes. Isso não é justiça. “Eu detesto o racismo”, disse ele, “se vem de um homem negro ou de um homem branco”.
Agora, temos de reconhecer que existe uma desorientação que vem da mudança rápida e da modernização, e o fato de que o mundo encolheu, e vamos ter de encontrar maneiras de diminuir os medos daqueles que se sentem ameaçados. No debate atual do Ocidente em torno da imigração, por exemplo, não é errado insistir que as fronteiras nacionais importam, se você é um cidadão. Ou acaso não importará a um governo que as leis precisem ser seguidas; que, no âmbito público, os recém-chegados devam se esforçar para adaptar-se à linguagem e aos costumes de seu novo lar? Essas são coisas legítimas e temos de ser capazes de envolver as pessoas que se sentem como se as coisas não estivessem em ordem. Mas isso não pode ser uma desculpa para políticas de imigração baseadas em raça, etnia ou religião. Tem de haver alguma consistência. E podemos impor a lei respeitando a humanidade essencial daqueles que estão lutando por uma vida melhor. Para uma mãe com um filho nos braços, podemos reconhecer que ali poderia ser alguém da nossa família, que poderia ser meu filho.
Em terceiro lugar, Madiba nos lembra que a democracia é mais do que apenas eleições.
Quando ele foi libertado da prisão, a popularidade de Madiba – bem, você não podia nem medir isso. Ele poderia ter sido presidente vitalício. Estou errado? Quem iria concorre contra ele? Quero dizer, Ramaphosa era popular, mas vamos lá. Além disso, ele era jovem – ele era jovem demais. Se ele quisesse, Madiba poderia ter governado por decreto executivo, sem qualquer restrição. Mas, em vez disso, ajudou a guiar a África do Sul através da elaboração de uma nova Constituição, baseada em todas as práticas institucionais e ideais democráticos que se mostraram mais robustos, atento ao fato de que nenhum indivíduo possui o monopólio da sabedoria. Nenhum indivíduo – nem Mandela, nem Obama – é totalmente imune às influências corruptoras do poder absoluto. Se você pode fazer o que quiser, todo mundo terá medo de dizer quando você cometer um erro. Ninguém está imune aos perigos disso.
Mandela entendeu isso. Ele disse: “A democracia é baseada no princípio da maioria. Isso é especialmente verdade em um país como o nosso, onde a grande maioria tem tido seus direitos sistematicamente negados. Ao mesmo tempo, a democracia também exige que os direitos das minorias sejam salvaguardados”. Ele entendeu que não é apenas sobre quem tem mais votos. É também sobre a cultura cívica que construímos, que faz a democracia funcionar.
Então, temos de parar de fingir que os países que meramente realizam eleições onde às vezes o vencedor magicamente obtém 90% dos votos porque toda a oposição está trancada – ou não pode entrar na TV – são democracias. A democracia depende de instituições fortes e da garantia dos direitos das minorias, de restrições e contrapesos, de liberdade de expressão, de imprensa livre, do direito de protestar, de um judiciário independente e da ideia de que todos devem seguir as leis.
E, sim, a democracia pode ser confusa, pode ser lenta e pode ser frustrante. Eu sei disso, eu garanto. Mas a eficiência oferecida por um autocrata é uma promessa falsa. Não acredite nela, porque ela leva, invariavelmente, a uma maior consolidação da riqueza no topo e do poder no topo, e torna mais fácil esconder a corrupção e o abuso. Apesar de todas as suas imperfeições, a democracia real sustenta melhor a ideia de que o governo existe para servir o indivíduo e não o contrário. E é a única forma de governo que tem a possibilidade de tornar essa ideia real.
Então, para aqueles de nós que estão interessados ​​em fortalecer a democracia, paremos também – é hora de pararmos de prestar atenção às capitais mundiais e aos centros de poder e começar a nos concentrar mais nas bases, porque é daí que a legitimidade democrática virá. Não de cima para baixo, não de teorias abstratas, não apenas de especialistas, mas de baixo para cima. Conhecendo as vidas daqueles que estão lutando.
Como líder comunitário, aprendi muito com um metalúrgico desempregado em Chicago ou com uma mãe solteira em um bairro pobre que visitei, como aprendi com os melhores economistas do Salão Oval da Casa Branca. Democracia significa estar em contato e em sintonia com a vida como ela é vivida em nossas comunidades, e isso é o que devemos esperar de nossos líderes, e isso depende do cultivo de líderes na base que possam ajudar a trazer mudanças e implementá-las na prática. Pessoas que digam aos líderes que estão em edifícios extravagantes o que não está funcionando aqui embaixo no mundo real.
E para fazer a democracia funcionar, Madiba nos mostra que também temos de continuar ensinando nossos filhos, e a nós mesmos – e isso é realmente difícil – a nos engajar com pessoas que não apenas têm uma aparência diferente, mas possuem visões diferentes. Isso é difícil.
A maioria de nós prefere nos cercar de opiniões que validem o que já acreditamos. Você percebe que as pessoas que você acha inteligentes são as pessoas que concordam com você. Engraçado como isso funciona. Mas a democracia exige que também possamos entrar na realidade das pessoas que são diferentes de nós para que possamos entender seu ponto de vista. Talvez possamos convencê-los a mudar de ideia, mas talvez elas mudem as nossas. E você não pode fazer isso se você simplesmente ignorar o que seus oponentes têm a dizer desde o início. E você não pode fazer isso se você insistir que aqueles que não são como você – porque são brancos, ou porque são do sexo masculino – de alguma forma não têm como entender o que você sente, que de alguma forma eles não têm direito para falar sobre certos assuntos.
Madiba viveu essa complexidade. Na prisão, ele estudou africâner para poder entender melhor as pessoas que o estavam encarcerando. E quando ele saiu da prisão, ele estendeu a mão para aqueles que o haviam prendido, porque ele sabia que eles tinham de ser parte da África do Sul democrática que ele queria construir. “Para fazer as pazes com um inimigo”, escreveu ele, “é preciso trabalhar com esse inimigo e tornar esse inimigo um parceiro.”
Assim, aqueles que têm opiniões rígidas quando se trata de política, seja à esquerda ou à direita, tornam a democracia inviável. Você não pode esperar obter 100% do que você quer o tempo todo; às vezes, você tem de abrir mão de alguma coisa. Isso não significa abandonar seus princípios, mas significa manter esses princípios e ter a confiança de que eles resistirão a um debate democrático sério. Foi assim que os fundadores dos Estados Unidos planejaram que nosso sistema funcionasse – que, através do teste de ideias e da aplicação da razão e da prova, seria possível chegar a uma base para um terreno comum.
E devo acrescentar que para que isso funcione, temos que realmente acreditar em uma realidade objetiva. Essa é uma dessas coisas que eu não precisei de aulas para aprender. Você tem de acreditar em fatos. Sem fatos, não há base para cooperação. Se eu disser que este é um pódio e você disser que é um elefante, vai ser difícil para nós cooperarmos. Eu posso encontrar um terreno comum para aqueles que se opõem aos Acordos de Paris porque, por exemplo, eles podem dizer “bem, não vai funcionar”, você não pode fazer todos cooperarem, ou eles podem dizer que é mais importante nos fornecer energia barata para os pobres, mesmo que isso signifique, a curto prazo, que haja mais poluição. Pelo menos eu posso ter um debate com eles sobre isso e posso mostrar a eles porque eu acho que a energia limpa é o melhor caminho – especialmente para os países pobres –, porque é possível ultrapassar tecnologias antigas. O que eu não consigo é encontrar um terreno comum se alguém diz que a mudança climática não está acontecendo, quando quase todos os cientistas do mundo nos dizem que está. Eu não sei nem por onde começar a falar sobre isso. Se você começar a dizer que é uma farsa elaborada, não sei o que fazer – por onde começamos?
Infelizmente, muito da política hoje parece rejeitar o próprio conceito de verdade objetiva. As pessoas inventam coisas. Eles apenas inventam coisas. Nós vemos isso na propaganda patrocinada pelo estado; vemos isso em fabricações conduzidas pela internet, vemos isso na confusão entre notícias e entretenimento, vemos a total perda de vergonha entre os líderes políticos, quando eles são pegos em uma mentira e eles simplesmente enrolam e mentem um pouco mais. Os políticos sempre mentiram, mas era diferente, se você os pegasse mentindo, eles diriam algo como “Oh, cara”. Agora eles continuam mentindo.
Aliás, isso é o que eu acho que Mama Graça estava falando em termos de algum senso de humildade que Madiba sentia, como às vezes coisas básicas… não mentir para as pessoas parece básico, não pensar em mim como um grande líder só porque eu não falo mentiras descaradas também é básico. De qualquer forma, vemos isso na promoção do anti-intelectualismo e na rejeição da ciência por parte de líderes que acham o pensamento crítico e os dados de alguma forma politicamente inconvenientes. E, como na negação dos direitos, a negação dos fatos vai contra a democracia, pode ser a sua ruína, e é por isso que devemos proteger zelosamente a mídia independente; e temos de nos proteger contra a tendência das mídias sociais se tornarem puramente uma plataforma para um espetáculo de indignação ou desinformação; e temos de insistir que nossas escolas ensinem o pensamento crítico aos nossos jovens, não apenas a obediência cega.
O que – tenho certeza de que vocês já estão cansados e irão agradecer – me leva ao meu último ponto: temos de seguir o exemplo de persistência e esperança de Madiba.
É tentador ceder ao cinismo: acreditar que as mudanças recentes na política global são muito poderosas para retroceder; que o pêndulo retroagiu permanentemente. Assim como as pessoas falaram sobre o triunfo da democracia nos anos 90, agora vocês estão ouvindo as pessoas falarem sobre o fim da democracia e o triunfo do tribalismo e do homem forte. Temos de resistir a esse cinismo.
Porque, nós já passamos por tempos mais obscuros, nós estivemos em vales mais baixos e vales mais profundos. Sim, até o final de sua vida, Madiba incorporou a luta bem-sucedida pelos direitos humanos, mas a jornada não foi fácil, não foi pré-ordenada. O homem ficou preso por quase três décadas. Ele quebrou pedra no sol, dormiu em uma pequena cela e foi repetidamente colocado em confinamento solitário. E eu lembro de ter conversado com alguns de seus ex-colegas que diziam como eles não tinham percebido, quando foram libertados, como a mera visão de uma criança, a ideia de segurar uma criança, eles haviam perdido – não foi algo disponível para eles, por décadas.
E, no entanto, seu poder realmente cresceu durante aqueles anos – e o poder de seus carcereiros diminuiu, porque ele sabia que se você mantém o que é verdadeiro, que se você sabe o que está em seu coração e se você está disposto a se sacrificar por isso, mesmo enfrentando chances mínimas, mesmo que isso possa não acontecer amanhã, possa não acontecer na próxima semana, possa nem acontecer em sua vida, as coisas podem retroceder por um tempo, mas no final das contas, o que é certo tem poder e não o contrário. A ideia de que a melhor história pode vencer é tão forte quanto o espírito de Madiba pode ter sido, mas ele não teria sustentado essa esperança se estivesse sozinho na luta. Parte da sua motivação vinha do fato de que ele sabia que a cada ano as fileiras de combatentes da liberdade estavam se reabastecendo, homens e mulheres jovens, aqui na África do Sul, no ANC e além; negros, indianos e brancos, do outro lado do campo, por todo o continente, em todo o mundo, que naqueles dias mais difíceis continuariam trabalhando em prol das mesmas ideias.
E é disso que precisamos agora, não precisamos apenas de um líder, não precisamos apenas de uma inspiração, o que precisamos agora é desse espírito coletivo. E eu sei que aqueles jovens, aqueles portadores de esperança estão se reunindo ao redor do mundo. Porque a história mostra que sempre que o progresso é ameaçado, e as coisas que mais nos preocupam estão em questão, devemos ouvir as palavras de Robert Kennedy – falando aqui, na África do Sul, ele disse: “Nossa resposta é a esperança do mundo: é confiar na juventude, é confiar no espírito dos jovens “.
Então, os jovens que estão na plateia, que estão ouvindo, minha mensagem para vocês é simples: continuem acreditando, continuem marchando, continuem construindo, continuem levantando sua voz. Toda geração tem a oportunidade de refazer o mundo. Mandela disse: “Os jovens são capazes, quando despertados, de derrubar as torres da opressão e levantar as bandeiras da liberdade”. Agora é um bom momento para ser despertado. Agora é um bom momento para se animar.
E aqueles de nós que se preocupam com o legado que nós honramos aqui hoje – com igualdade, dignidade, democracia, solidariedade e bondade –, aqueles de nós que permanecem jovens no coração, se não no corpo, temos a obrigação de ajudar nossos jovens ter sucesso. Alguns de vocês sabem, aqui na África do Sul minha Fundação esteve convocando nos últimos dias duzentos jovens de todo o continente que estão fazendo o trabalho duro de buscar mudanças em suas comunidades; que refletem os valores de Madiba, que estão preparados para liderar o caminho.
Pessoas como Abaas Mpindi, um jornalista de Uganda, que fundou a Media Challenge Initiative, para ajudar outros jovens a obter o treinamento necessário para contar as histórias que o mundo precisa saber.
Pessoas como Caren Wakoli, uma empreendedora do Quênia, que fundou a Emerging Leaders Foundation para envolver os jovens no trabalho de combater a pobreza e promover a dignidade humana.
Pessoas como Enock Nkulanga, que dirige a missão African Children, que ajuda crianças em Uganda e no Quênia a obterem a educação de que precisam e, em seu tempo livre, defende os direitos das crianças em todo o mundo e fundou uma organização chamada LeadMinds Africa, que faz exatamente o que o nome diz.
Quando você conhece essas pessoas, fala com elas, elas lhe dão esperança. Elas estão tomando o bastão, elas sabem que não podem simplesmente descansar sobre as realizações do passado, até mesmo as realizações daqueles tão importantes quanto Nelson Mandela. Elas estão sobre os ombros daqueles que vieram antes, incluindo aquele jovem negro nascido há 100 anos, mas eles sabem que agora é a vez deles fazerem o trabalho.
Madiba nos lembra que: “Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor de sua pele, de sua origem ou de sua religião. As pessoas precisam aprender a odiar e, se aprenderam a odiar, podem aprender a amar, porque o amor vem mais naturalmente ao coração humano “. O amor vem mais naturalmente ao coração humano, vamos nos lembrar dessa verdade. Vamos ver isso como nossa estrela guia, vamos nos alegrar em nossa luta para fazer essa verdade se manifestar aqui na terra para que daqui a 100 anos as futuras gerações olhem para trás e digam: “eles mantiveram a marcha, é por isso que vivemos sob as novas bandeiras de liberdade".

O discurso, na íntegra, pode ser lido aqui.