Tal como as cartas, as entrevistas estão entre os gêneros textuais pelas quais tenho mais simpatia, e também julgo de valor elevado entre os textos. Por essa razão, estou sempre às voltas com a leitura, ou o vídeo de alguma.
Por várias razões gosto de ambos os gêneros. A principal delas, sem dúvidas, é decorrente da postura mais íntima e individual que, incontornavelmente, exigem de seus protagonistas; elas nos presenteiam com a oportunidade de conhecer o lado mais pessoal, sobretudo individual, de uma personalidade. Em outros termos, os gêneros nos oferecem o conhecimento de uma pessoa na sua totalidade - que é edificada aos nossos olhos, gradativamente, pela sua opinião, forma de expressão, trejeitos, expressões faciais, e outra série de performance nos apresentada verbal e visualmente.
Ademais, esses dois gêneros de feição íntima e conversacional, conduzem seus articuladores a uma exposição e conversa informal, espontânea e, em muitos casos, mais franca. Conversando e comunicando em estilo mais fluido e livre, prosaico - para assumir uma expressão -, os entrevistados acabam deixando as questões em debate, e, sobretudo suas visões particulares sobre elas, mais próxima da realidade e das questões de mundo comuns a todos. Dessa forma, assuntos os mais teóricos e acadêmicos deixam-se refluir no cotidiano de qualquer um enquanto todos.
Em contato com tais estilos textuais, em casos não muito raros, sentimos que a conversa está quase sendo com a gente, e, muitas vezes até, para a gente, tamanha a proximidade, a intimidade e identidade proporcionados pelas entrevistas e cartas. Ali, sobretudo se se estão tratando de assuntos humanos, a conversa é, em primeiro lugar, de homem para homem; não é de escritor para leitor, ou cientista para pesquisador, ou ainda entre especialistas. É humana, pessoal, de gente comum na lida diária com as situações tão pouco variadas da vida.
Por ter comunicação eficaz, sobretudo aos homens enquanto pessoas, considero esses gêneros grandiosos - ainda que, ou pela, sua despretensão de apenas uma conversa, ou uma mostra de opinião-comentário de algo. Elas comunicam o homem ao homem sobre o homem. Em uma última expressão: entrevistas e cartas são de valor imenso, dignas de sempre séria consideração.
Por várias razões gosto de ambos os gêneros. A principal delas, sem dúvidas, é decorrente da postura mais íntima e individual que, incontornavelmente, exigem de seus protagonistas; elas nos presenteiam com a oportunidade de conhecer o lado mais pessoal, sobretudo individual, de uma personalidade. Em outros termos, os gêneros nos oferecem o conhecimento de uma pessoa na sua totalidade - que é edificada aos nossos olhos, gradativamente, pela sua opinião, forma de expressão, trejeitos, expressões faciais, e outra série de performance nos apresentada verbal e visualmente.
Ademais, esses dois gêneros de feição íntima e conversacional, conduzem seus articuladores a uma exposição e conversa informal, espontânea e, em muitos casos, mais franca. Conversando e comunicando em estilo mais fluido e livre, prosaico - para assumir uma expressão -, os entrevistados acabam deixando as questões em debate, e, sobretudo suas visões particulares sobre elas, mais próxima da realidade e das questões de mundo comuns a todos. Dessa forma, assuntos os mais teóricos e acadêmicos deixam-se refluir no cotidiano de qualquer um enquanto todos.
Em contato com tais estilos textuais, em casos não muito raros, sentimos que a conversa está quase sendo com a gente, e, muitas vezes até, para a gente, tamanha a proximidade, a intimidade e identidade proporcionados pelas entrevistas e cartas. Ali, sobretudo se se estão tratando de assuntos humanos, a conversa é, em primeiro lugar, de homem para homem; não é de escritor para leitor, ou cientista para pesquisador, ou ainda entre especialistas. É humana, pessoal, de gente comum na lida diária com as situações tão pouco variadas da vida.
Por ter comunicação eficaz, sobretudo aos homens enquanto pessoas, considero esses gêneros grandiosos - ainda que, ou pela, sua despretensão de apenas uma conversa, ou uma mostra de opinião-comentário de algo. Elas comunicam o homem ao homem sobre o homem. Em uma última expressão: entrevistas e cartas são de valor imenso, dignas de sempre séria consideração.
Nessas férias, tive o privilégio do contato com excelentes entrevistas, de igualmente excelentes entrevistados e entrevistadores. Descobri em casa, na sempre renovada estante de livros de minha mãe, o livro A arte da entrevista: uma antologia de 1823 aos nossos dias (São Paulo: Scritta, 1995), organizada pelo jornalista Fábio Altman. Nele estão reunidas, conforme de fato afirmam as palavras introdutórias do organizador, algumas das duplas entrevistado-entrevistador mais interessantes, como, por exemplo, Mark Twain por Rudyard Kipling, Luís Carlos Prestes por Paulo Patarra, Joseph Stalin por H. G. Wells, Oscar Wilde por ele mesmo, Fidel Castro por Fernando Morais; bem como, as últimas entrevistas de Marilyn Monroe e Jimmy Hoffa, Al Capone e Mussolini.
Entre essas instigantes - e algumas até provocativas - opções, gostei de duas entrevistas particularmente. Uma é a de Eugene O'Neill para o jornalista Young Boswell, então correspondente do New York Tribune; e a outra, é de Sigmund Freud para o jornalista George Sylvester Viereck - a qual hoje é considerada uma das mais famosas entrevistas arquivadas de Freud, e foi registrada no compêndio das entrevistas do renomado jornalista americano, Glimpses of the Great, de 1930.
Compartilho com vocês essas duas entrevistas, colocando a de Freud em primeiro lugar, com o objetivo de sugerir a vocês, após uma apreciação individualmente, confrontá-la em influência artística sobre a de Eugene O'Neill.
A impressão que me ficou ao fim da leitura de ambas, sobretudo se confrontadas, foi a de que, a entrevista de Freud, apesar de todo o insistente apelo à vida, infalivelmente, aproximou-se mais da morte, de seus aspectos de negação, desânimo e finitude; e a de O'Neill, tida como de ponto de vista trágico e até mórbido, afigurou-me otimista, viva e a favor da vida. Eu gostei de ambas, mas não deixo inconfessa a minha simpatia maior por toda arte, e todo homem, que prioriza a exaltação da vida acima de tudo, esteja ela sob qualquer difícil condição.
Às entrevistas de Freud e Eugene O'Neill:
Entre essas instigantes - e algumas até provocativas - opções, gostei de duas entrevistas particularmente. Uma é a de Eugene O'Neill para o jornalista Young Boswell, então correspondente do New York Tribune; e a outra, é de Sigmund Freud para o jornalista George Sylvester Viereck - a qual hoje é considerada uma das mais famosas entrevistas arquivadas de Freud, e foi registrada no compêndio das entrevistas do renomado jornalista americano, Glimpses of the Great, de 1930.
Compartilho com vocês essas duas entrevistas, colocando a de Freud em primeiro lugar, com o objetivo de sugerir a vocês, após uma apreciação individualmente, confrontá-la em influência artística sobre a de Eugene O'Neill.
A impressão que me ficou ao fim da leitura de ambas, sobretudo se confrontadas, foi a de que, a entrevista de Freud, apesar de todo o insistente apelo à vida, infalivelmente, aproximou-se mais da morte, de seus aspectos de negação, desânimo e finitude; e a de O'Neill, tida como de ponto de vista trágico e até mórbido, afigurou-me otimista, viva e a favor da vida. Eu gostei de ambas, mas não deixo inconfessa a minha simpatia maior por toda arte, e todo homem, que prioriza a exaltação da vida acima de tudo, esteja ela sob qualquer difícil condição.
Às entrevistas de Freud e Eugene O'Neill:
sigmund freud
Entrevistado por George Sylvester Viereck
Glimpses of the Great, 1930
pp. 88-98.
pp. 88-98.
Sigmund Freud (1856-1939), o judeu austríaco fundador da psicanálise, formou-se em medicina em Viena. Aperfeiçoou seus estudos em Paris, com Jean Marie-Charcot, que usava a hipnose como tratamento para a histeria. Ao romper com Charcot e com a prática da hipnose, Freud se deparou com o mecanismo de defesa dos pacientes e pode então desenvolver a teoria do inconsciente e sua própria técnica terapêutica, baseada na livre associação de ideias. Para o médico austríaco, a neurose adulta era resultado da sexualidade infantil. Em 1900, Freud publicou A interpretação dos sonhos, seu primeiro trabalho revolucionário - obra que ele havia terminado anos antes mas que guardou para lançá-la no despertar de um novo século. Ele tinha razão ao adiá-lo: o século XX foi o tempo de Sigmund Freud. Em 1938, quando os nazistas anexaram a Áustria, depois de terem banido a psicanálise da Alemanha, Freud imigrou para a Inglaterra em companhia de sua filha Anna, que se tornaria conhecida como psicóloga infantil. Freud morreu de câncer na garganta.
George Sylvester Viereck (1884-1962), jornalista americano de origem judaico-alemã, iniciou sua carreira nas letras escrevendo poesias antes de se tornar um dos grandes entrevistadores da imprensa americana. Algumas de suas mais importantes conversas foram publicadas em um volume chamado Glimpses of the great, publicado simultaneamente em Nova Iorque, Londres e Berlim em 1930.
“Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com alegre humildade”.
Eugene Gladstone O'Neill (1888-1953), teatrólogo americano, nasceu em Nova Iorque. Filho de um ator mambembe, ele trocou os estudos pela vida de marinheiro, viajando para a África do Sul e Austrália no convés de um navio. Ao retornar de uma de suas travessias, O'Neill foi vitimado por uma tuberculose e terminou confinado no sanatório. Na cama de um hospital ele começou a escrever suas primeiras peças. Em 1920, ganhou o primeiro Prêmio Pulitzer de sua carreira por Beyond the horizon ("Além do horizonte"). Outros viriam: Anna Christie (1922), Strange interlude ("Estranho interlúdio"), de 1928, e A long day's journey into night ("Uma longa jornada noite adentro"), de 1957. O'Neill foi o primeiro dramaturgo a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1936.
Eugene O'Neill lidera os dramaturgos sérios da América de hoje. As suas peças Beyond the horizon e Anna Christie receberam o Prêmio Pulitzer em dois anos sucessivos. Seus textos estão sendo produzidos na Inglaterra, na França e na Alemanha, e são saudados com um enorme entusiasmo. O Emperor Jones ("O imperador Jones") foi uma experiência pioneira de hipnose da plateia. O'Neill é filho de um ator. Ele foi, numa rápida sequência, aluno de Princeton, minerador de ouro, marinheiro, ator, poeta, dramaturgo, e tem só 33 anos.
“Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com alegre humildade”.
Quem fazia essa declaração
era o professor Sigmund Freud, o grande explorador austríaco do lado oculto da
alma. Assim como o trágico herói grego Édipo, cujo nome está tão intimamente
ligado aos princípios fundamentais da psicanálise, Freud confrontou a Esfinge
sem receio.
Como Édipo, ele
decifrou o enigma. Pelo menos, nenhum mortal chegou tão perto dos segredos do comportamento
humano quanto Freud.
Freud é para a
psicologia o que Galileu foi para a astronomia. É o Cristóvão Colombo do
inconsciente. Ele abre novas perspectivas, sonda novas profundezas. Freud
alterou todas as relações na vida, decifrando o sentido oculto das regras do
inconsciente. Conversamos na casa de veraneio de Freud em Semmering, uma
montanha nos Alpes austríacos, onde os vienenses elegantes adoram se reunir.
A última vez que
vira o pai da psicanálise, ele estava em sua casa simples na capital austríaca.
Os poucos anos que separavam a minha última visita desta de agora multiplicaram
as rugas na sua testa e aumentaram a sua palidez acadêmica. Seu rosto estava
abatido, sofrido. A mente estava ativa, o espírito firme, a cortesia impecável
como sempre, mas um leve problema de fala me preocupou.
Parece que uma
doença maligna no maxilar superior necessitara de uma operação. Desde então,
Freud usa um aparelho mecânico para facilitar a fala. Na verdade, não há
diferença entre o uso desse aparelho ou de óculos. Ele deixa Freud mais
constrangido do que os visitantes. Depois que conversamos com ele por algum
tempo, o aparelho se torna quase imperceptível. Nos dias em que Freud está bem,
nem se percebe a presença dele. Mas para Freud, ele é causa de constante irritação.
“Eu detesto o
meu maxilar mecânico porque a luta com o mecanismo consome uma força preciosa.
Mas é melhor ter um maxilar mecânico do que nenhum. Ainda prefiro viver a
morrer. Talvez os deuses sejam generosos conosco”, continuou o pai da psicanálise,
“tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. No final, a morte
parece mais tolerável do que os muitos problemas que temos que enfrentar”.
Freud se recusa
a admitir que o destino tenha sido rancoroso com ele.
“Por que", disse
ele tranquilo, “eu deveria esperar por algum tipo de privilégio? A idade, com
seus visíveis desconfortos, chega para todos. Ela atinge um homem aqui, outro
lá. O seu golpe sempre atinge uma parte vital. A vitória final sempre pertence
ao Conqueror Worm (Verme Conquistador).
Out – out are the lights – out all! Acendam –acendam as luzes – todas elas
And over each quivering form E acima de cada forma trêmula
The curtain, a funeral pall, A cortina, um pano mortuário
Comes down, with the rush of a storm, Desce, com a fúria de uma tempestade,
And the angels, all pallid and wan E os anjos, todos pálidos e
lívidos,
Uprising, unveiling, affirm levantando,
revelando, afirmam
That the play is the tragedy “Man” Que a peça é a tragédia “Homem”,
And its hero the Conqueror Worm. E seu herói o Verme Conquistador.
“Não me revolto
contra a ordem universal, afinal, mais de setenta anos”, continuou o mestre e
pesquisador do cérebro humano. “Eu tive o que comer. Desfrutei de muitas coisas
– do companheirismo de minha esposa, dos meus filhos, do pôr-do-sol. Eu vi as
plantas crescerem na primavera. Algumas vezes recebi um aperto de mão amigo. Uma
ou duas vezes encontrei um ser humano que quase me entendeu. O que mais eu posso
querer?”
“O senhor é famoso”, disse eu. “O seu
trabalho influencia a literatura de todo o mundo. O homem olha para si e para a
vida com olhos diferentes por sua causa. E, há pouco tempo, quando o senhor fez
70 anos, o mundo se uniu para homenageá-lo - com exceção da sua própria
universidade!”
“Se a Universidade de Viena me aceitasse,
eu teria me sentido muito constrangido. Não há razão para eles me aceitarem ou
à minha doutrina porque estou com 70 anos. Não dou nenhuma importância ilógica
aos números. A fama só chega quando já estamos mortos, e, para ser franco, o
que acontece depois da morte não me interessa. Não aspiro à glória póstuma. A
minha modéstia não é nenhuma virtude”.
“O fato de seu
nome ser lembrado não significa nada para o senhor?”
“Absolutamente nada, mesmo que ele seja
realmente lembrado, o que não é certo. Eu estou mais interessado no destino dos
meus filhos. Espero que a vidas deles não seja tão difícil. Não posso torná-las
muito mais fáceis. A guerra praticamente acabou com a minha modesta fortuna, as
economias de uma vida inteira. Entretanto, felizmente, a idade não pesa tanto
para mim. Eu ainda sou capaz de seguir em frente! Meu trabalho ainda me dá
prazer”.
Nós andávamos
por um caminho do jardim da casa. Com as mãos sensíveis, Freud acariciou um
arbusto que florescia.
“Estou muito mais interessado nestas
flores”, disse ele, “do que no que possa acontecer comigo depois que eu morrer”.
“Então, no fundo, o senhor é um
pessimista?”
“Não, não sou. Só que eu não permito que
nenhuma reflexão filosófica me tire a alegria das coisas simples da vida.”
“O senhor acredita na continuidade do ser
após a morte, seja lá de que maneira for?”
“Eu não penso
nesse assunto. Tudo o que nasce, um dia morre. Por que então eu também não
morreria?”
“O senhor gostaria de retornar à vida, assumindo
uma nova forma? Em outras palavras, o senhor não gostaria de ser imortal?”
“Para ser franco, não. Quem identifica as
razões egoístas que se escondem sob o comportamento humano não tem a menor
vontade de voltar. A vida, movendo-se em círculos, ainda seria a mesma. Além
disso, mesmo que o eterno retorno de todas as coisas, como disse Nietzsche, nos
vestisse com novas roupas, que utilidade isso poderia ter sem a memória? Não
haveria ligação entre o passado e o futuro.
No que me diz
respeito, estou muito satisfeito em saber que o eterno absurdo de viver
terminará um dia. Nossa vida se resume a uma série de obrigações, uma luta sem
fim entre o ego e o seu ambiente. O desejo de um prolongamento excessivo da
vida me parece absurdo.”
“O senhor não aprova as tentativas do seu colega
Steinach de prolongar o ciclo da existência humana?”
“Steinach não faz nenhuma tentativa para prolongar a
vida. Ele simplesmente luta contra a velhice. Ao aumentar a reserva de forças
que temos dentro de nós, ele ajuda o corpo a resistir à doença. A operação de
Steinach às vezes detém os acidentes biológicos, como o câncer, nos seus
primeiros estágios. Ela torna a vida mais tolerável. Mas não a torna mais
feliz.
“Não há razão para que o homem queira viver mais. Mas
temos todas as razões para querer viver com o mínimo de desconforto possível.
“Sou bastante feliz, porque não sinto dores e sou
grato aos pequenos prazeres da vida, aos meus filhos e às minhas flores!”
“Bernard Shaw
diz que vivemos muito pouco. Ele acha que, se quiser, o homem pode prolongar o
tempo de vida humana, se a força de vontade suplantar as forças da evolução. A humanidade,
segundo ele, pode recuperar a longevidade dos patriarcas.”
“É possível”,
respondeu Freud, “que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez os
homens morram porque queiram morrer”.
“Assim como o
amor e o ódio pela mesma pessoa coexistem dentro de nós, a vida é uma mistura
do desejo de viver com o desejo ambivalente de morrer.
“Da mesma forma
que um elástico tende a voltar ao seu formato
original, toda a matéria viva, consciente ou inconscientemente, anseia pela
inércia completa e absoluta da existência inorgânica. Os desejos de morrer e de
viver convivem lado a lado dentro de nós.
“A Morte é a
companheira do Amor. Juntos, eles governam o mundo. Essa é a mensagem do meu
livro Além do Princípio do Prazer.
“No início, a
psicanálise achava que o Amor era o sentimento mais importante. Hoje, sabemos
que a Morte tem a mesma importância.
“Biologicamente,
todo ser humano, não importando a intensidade do seu desejo de viver, anseia
pelo Nirvana, pelo fim da febre chamada vida, pelo seio de Abraão. O desejo
pode ser disfarçado por rodeios. Entretanto o objetivo final da vida é a própria
extinção!”
“Essa”, exclamei,
“é a filosofia da autodestruição. Ela justifica o automaassacre. Levaria à
conclusão lógica do suicídio mundial previsto por Eduard von Hartamann.”
“A humanidade não escolhe o suicídio,
porque as leis da sua natureza não aceitam o caminho direto para a própria
meta. A vida deve completar o seu ciclo de existência. Em qualquer ser humano
normal, o desejo de viver é o bastante para compensar o desejo de morrer,
embora, no final, o desejo de morrer prove ser mais forte.
“Nós podemos considerar
a ideia de que a Morte nos chega por vontade própria. É possível que derrotássemos
a morte, não fosse pelo aliado que ela tem dentro de nós mesmos.
“Neste sentido”,
acrescentou Freud com um sorriso, “talvez seja certo dizer que toda morte é um suicídio
disfarçado”.
Começou a esfriar
no jardim.
Continuamos a
conversa no escritório.
Vi uma pilha de
escritos com a letra de Freud sobre a escrivaninha.
“Em que o senhor está trabalhando?”,
perguntei.
“Estou escrevendo uma defesa da análise
leiga, da psicanálise praticada por leigos. Os médicos querem tornar a análise
ilegal a análise feita pelos que não são médicos registrados. A história, essa
velha plagiadora, se repete a cada nova descoberta. Os médicos, a princípio,
combatem qualquer nova verdade. Depois eles tentam monopolizá-la.”
“O senhor teve um grande apoio dos
leigos?”
“Alguns dos meus melhores alunos são
leigos.”
“O senhor
pratica a psicanálise com muita frequência?”
“Claro. Nesse exato momento, eu estou
trabalhando em um caso difícil, esclarecendo os conflitos psíquicos de mais um
paciente interessante.
“Minha filha
também é uma psicanalista, como o senhor pode ver…”
Nesse momento, a
senhorita Anna Freud surgiu seguida por seu paciente, um rapaz 11 anos, de
feições obviamente anglo-saxônicas. O menino parecia muito feliz, esquecido do
conflito da própria personalidade.
“O senhor”, perguntei ao professor Freud,
“se auto-analisa?”
“É claro. O psicanalista deve se auto-analisar
com frequência. Ao nos analisarmos, nos tornamos mais capazes de analisar
outras pessoas.
“O psicanalista
é como o bode expiatório dos hebreus. As pessoas colocam a culpa dos seus
pecados nele. Ele deve exercer a sua arte com perfeição para se livrar do peso
colocado sobre ele.”
“Sempre me pareceu”, comentei, “que a
psicanálise desperta em todos aqueles que a praticam o espírito da caridade
cristã. Não há nada na vida humana que a psicanálise não nos permita entender. Tout comprendre c’est tout pardonner.”
“Pelo contrário!”,
enfureceu-se Freud, as feições assumindo a severidade arrebatada de um profeta
hebreu. “Entender não é perdoar. A psicanálise não apenas nos ensina o que temos
que suportar, ela também ensina o que temos que evitar. Ela nos diz o que deve ser
eliminado. A tolerância do mal não é, de maneira nenhuma, um consequência do
conhecimento.”
De repente eu
entendi porque Freud brigara tão seriamente com os seguidores que o
abandonaram, por que ele não consegue perdoar aqueles que se afastaram do caminho
da psicanálise ortodoxa. O seu senso de integridade é uma herança dos seus
ancestrais. Uma herança da qual ele se orgulha, assim como se orgulha de
própria raça.
“Minha língua é
o alemão explicou-me, “minha cultura, minhas conquistas são alemãs. Considerei-me
um alemão do ponto de vista intelectual, até que percebi o crescimento do
anti-semitismo na Alemanha e na Áustria alemã. Desde então, não me considero
mais um alemão. Prefiro me considerar um
judeu.”
De certa maneira
fiquei decepcionado com esse comentário.
Parecera-me que
o espírito de Freud estava acima de qualquer preconceito de raça, que ele não
seria atingido por qualquer rancor pessoal. Ainda assim, aquela mesma
indignação, a raiva honesta, conquistou-me por torná-lo mais humano.
Aquiles seria
insuportável, não fosse por seu calcanhar!
“Estou feliz”,
comentei, “Herr Professor, que o senhor também tenha os seus complexos, que o
senhor também exponha a sua mortalidade”.
“Os nossos
complexos”, respondeu Freud, “são a fonte de nossa fraqueza e, com frequência,
também de nossa força.”
“Quais seriam os meus complexos?”,
comentei.
“Uma análise séria”, respondeu ele,
“levaria, pelo menos, um ano. Talvez demorasse até mesmo uns dois ou três anos.
O senhor tem dedicado muitos anos da sua vida à caça de leões. O senhor tem
procurado, ano após ano, as grandes personalidades de sua geração,
invariavelmente homens mais velhos. Posso citar Roosevelt, o Kaiser, Hindenburg,
Briand, Foch, Joffre, George Brandes, Gerhart Hauptman e George Bernard
Shaw...”
“Isso é parte do meu trabalho”.
“Mas também é uma preferência. O homem
importante é um símbolo. A sua busca é afetiva. O senhor está à procura do
homem importante que irá tomar o lugar do seu pai. Isso é parte do complexo que
o senhor tem em relação ao seu pai”.
Neguei a afirmação de Freud com
veemência. Entretanto, após refletir, parece-me que pode haver alguma verdade,
insuspeita para mim, na sua sugestão casual. Talvez seja o mesmo impulso que me
levou a ele.
“No seu trabalho O Judeu Errante”, acrescentei, “o senhor estende essa busca ao
passado. O senhor é o eterno Explorador do Homem”.
“Eu queria”, comentei um pouco depois,
“poder ficar aqui durante o tempo que fosse necessário para ver o meu interior
através dos seus olhos. Talvez como a Medusa, eu morresse de medo ao ver minha
própria imagem! Entretanto acho que conheço bastante a psicanálise. Eu iria
prever, ou tentar prever, as suas intenções.”
“A inteligência de um paciente”,
respondeu Freud, “não é um empecilho. Pelo contrário, às vezes, ela facilita o
trabalho.”
Nesse aspecto, o mestre da psicanálise
difere de muitos de seus adeptos, que se ressentem de qualquer dedução feita
pelos próprios pacientes sob os cuidados deles.
A maioria dos psicanalistas emprega o
método da “livre associação” de Freud. Eles encorajam o paciente a dizer
qualquer coisa que lhes venha à cabeça, não importando o quanto o que dizem
possa ser idiota, obsceno, inoportuno ou irrelevante. Seguindo pistas que
parecem não ter importância, encontram os dragões psíquicos que assustam o
paciente, pois têm medo que, quando descoberta a direção de sua investigação,
os desejos e a resistência do paciente lutem inconscientemente para manter seus
segredos, desviando o caçador psíquico da sua pista. Freud também reconhece
esse perigo.
“Às vezes eu penso”, disse eu, “se nós
seríamos mais felizes se conhecêssemos menos o processo que forma os nossos
pensamentos e emoções. A psicanálise tira o encantamento da vida, quando segue
a pista de cada um dos sentimentos até os seus complexos básicos. Não ficamos
mais felizes ao descobrir nosso lado selvagem, criminoso e animal.”
“O que o senhor tem contra os animais?”,
respondeu Freud. “A comunidade animal é infinitamente melhor que a humana”.
“Por quê?”
“Porque os animais são muito mais
simples. Eles não sofrem de personalidade dividida ou desintegração do ego, problemas
que surgem da tentativa do homem de se adaptar a padrões de civilização que são
sofisticados demais para o seu mecanismo intelectual e psíquico.”
“O selvagem, assim como o animal, é
cruel, mas ele não tem a maldade do homem civilizado. A maldade é a vingança do
homem contra a sociedade pelas restrições impostas a ele. É essa vingança que
dá vida ao reformista profissional e às pessoas intrometidas. O selvagem pode
cortar a sua cabeça, comê-lo, torturá-lo, mas ele vai poupá-lo das pequenas
provocações que, às vezes, tornam a vida em uma comunidade civilizada quase
intolerável.
“Os hábitos e as idiossincrasias mais
desagradáveis do homem, como a trapaça, a covardia e a falta de respeito, são
produzidos pela sua adaptação incompleta a uma civilização complicada. É o
resultado do conflito entre os nossos instintos e a nossa cultura.
“As emoções intensas, diretas e simples
de um cachorro, ao abanar o rabo ou latir quando é contrariado, são muito mais
agradáveis! As emoções de um cachorro”, acrescentou Freud pensativo, “me fazem
lembrar um dos heróis da antiguidade. Talvez seja por isso que nós
inconscientemente damos aos cães nomes de heróis da antiguidade como Aquiles ou
Heitor”.
“O meu próprio cachorro”, interrompi,
“se chama Ájax”.
Freud sorriu.
“Fico feliz”, acrescentei, “que ele não
consiga ler. Se pudesse latir, expressando sua opinião sobre traumas psíquicos
e complexos de Édipo, ele não seria um membro tão querido da família!
“Até mesmo o senhor, professor, acha a
existência muito complexa. No entanto, me parece que o senhor mesmo é, em
parte, responsável pela complexidade da civilização moderna. Antes que o senhor
inventasse a psicanálise, ninguém sabia que a personalidade era dominada por um
exército beligerante de complexos bastante censuráveis. A psicanálise fez da
vida um complicado quebra-cabeça”.
“De jeito nenhum”, respondeu Freud. “A
psicanálise simplifica a vida. Nós atingimos uma nova síntese depois da
análise. A psicanálise cria uma nova ordem para o labirinto onde estão perdidos
certos impulsos, e tenta conduzi-los para o lugar ao qual pertencem. Ou, usando
outra metáfora, ela é o fio que conduz o homem para fora do labirinto do seu
próprio inconsciente”.
“Em uma visão superficial, parece,
entretanto, que a vida humana nunca foi tão complexa. E, a cada dia, alguma
nova ideia, apresentada pelo senhor ou por um dos seus discípulos, torna o
problema do comportamento humano mais enigmático e contraditório.
“Pelo menos a psicanálise nunca fecha as
portas para uma nova verdade”.
“Alguns dos seus alunos, mais ortodoxos
do que o senhor, se agarram a qualquer declaração que o senhor faça.”
“A vida muda e a psicanálise também”,
observou Freud. “Estamos só no princípio de uma nova ciência”.
“Eu acho a estrutura científica que o
senhor criou muito complexa. E os elementos dessa estrutura, como a teoria da substituição, da sexualidade infantil, do simbolismo
dos sonhos, etc., parecem permanentes.”
“No entanto, torno a dizer, nós só
estamos começando. Sou apenas um principiante. Consegui trazer à tona muito do
que estava enterrado nas camadas mais profundas da mente. Mas, enquanto, eu só
descobri alguns templos, outros podem descobrir um continente.”
“O senhor ainda dá grande importância ao
sexo?”
“Eu respondo com as palavras do grande
poeta Walt Whitman: Mas não haveria nada, se não houvesse o sexo. Entretanto,
como já disse, hoje em dia, eu dou a mesma importância ao que está além do
prazer – a morte, a negação da vida. Esse desejo explica porque alguns homens
gostam da dor – ela representa um passo em direção à morte! O desejo da morte
explica por que todos os homens procuram o descanso eterno, por que os poetas
agradecem –
Whatever gods there be, Onde quer que os deuses estejam,
That no life lives for ever, Não há nada que viva para sempre
That dead men rise up never, Os homens mortos nunca renascem,
And even the weariest river E até o rio mais enfastiado
Winds somewhere safe to sea. Segue confiante na direção do mar.
“Shaw, como o senhor, não deseja viver
para sempre, mas ele acha o sexo desinteressante”, comentei.
“Shaw”, respondeu Freud, sorrindo, “não
entende o sexo. Ele não faz a mais remota ideia do que seja o amor. Não existe
nenhum relacionamento amoroso real nas suas peças. Ele transforma o caso de
amor de César – talvez a maior paixão da história – em uma piada.
Deliberadamente, para não dizer maliciosamente, ele despe Cleópatra de todo o
seu esplendor e a rebaixa à condição de uma mulher insignificante, petulante e
exagerada.
“A razão pela qual a estranha atitude de
Shaw em relação ao amor e para a sua negação do impulso primordial d todas as
ações humanas, o que tira de suas peças o atrativo universal apesar da sua
grande inteligência, está na natureza da sua psicologia. Em um de seus
prefácios, Shaw enfatiza o aspecto acético de sua personalidade.
“Posso ter cometido muitos erros, mas
tenho certeza que não errei ao enfatizar a predominância do instinto sexual.
Porque o instinto sexual é tão forte que se choca com muita frequência contra
as convenções e salvaguardas da civilização. A humanidade, em defesa própria,
procura negar a importância suprema do sexo”.
“Analise qualquer emoção humana, não
importa o quanto ela esteja distante da esfera do sexo, e o senhor vai
encontrar com certeza, em algum lugar, o impulso primordial, ao qual a própria
vida deve a sua perpetuação”.
“É certo que o senhor conseguiu incutir
o seu ponto de vista sobre todos os escritores modernos. A psicanálise deu nova
força à literatura.”
“Ela também recebeu contribuições da
literatura e da filosofia. Nietzsche foi um dos primeiros psicanalistas. É
incrível o quanto a intuição dele se antecipou às nossas descobertas. Ninguém
identificou com mais clareza as razões para o comportamento humano e a luta do
princípio do prazer pelo eterno domínio. O seu Zaratustra diz:
Woe Desgraça
Crieth: Go Grite: Vá
But Pleasure craves eternity, Mas o prazer implora por eternidade,
Craves quenchless, deep eternity Implora insaciável, profunda eternidade.
“Pode ser que a psicanálise seja menos
discutida na Áustria e na Alemanha do que nos Estados Unidos, mas a sua
influência sobre a literatura, no entanto, é enorme.
“Thomas Mann e Hugo Von Hofmansthal nos
devem muito. Schnitzler acompanha, em grande parte, o meu desenvolvimento. Ele
expressa através da poesia muito do que eu tento transmitir cientificamente.
Mas o doutor Schnitzler não é apenas um poeta, ele é também um cientista.”
“O senhor”, respondi, “não é apenas um
cientista, é também um poeta. A literatura americana”, continuei, “está
impregnada pela psicanálise. Rupert Hughes, Harvey O’Higgins e outros são seus
intérpretes. É quase impossível abrir um novo romance recente sem encontrar
alguma referência a psicanálise. Entre os dramaturgos, Eugene O’Neill e Sydney
Howard devem muito ao senhor. The Silver
Cord (O cordão de prata), por exemplo, é uma mera dramatização do complexo
de Édipo.”
“Eu sei disso”, respondeu Freud, “sou
grato pelo reconhecimento, mas temo pela minha própria popularidade nos Estados
Unidos. O interesse dos americanos pela psicanálise não é muito profundo. A
grande popularidade leva à aceitação superficial sem uma pesquisa séria. As
pessoas apenas repetem o que escutam no teatro ou leem nos jornais. Eles pensam
que compreendem a psicanálise, porque conseguem repetir o nosso jargão! Eu
prefiro o estudo mais intenso da psicanálise nos centros europeus.
“Os Estados Unidos foram o primeiro país
a me reconhecer oficialmente. A Clark University me conferiu um grau honorário
quando eu ainda estava condenado ao ostracismo na Europa. No entanto os Estados
Unidos contribuíram muito pouco para o estudo da psicanálise.
“Os americanos são generalizadores
inteligentes, mas raramente são pensadores criativos. Além disso, os médicos
americanos, bem como os austríacos, tentam apropriar-se do campo. Deixar que a
psicanálise permaneça somente nas mãos dos médicos será fatal para o seu
desenvolvimento. A formação médica pode ser tanto uma vantagem quanto uma
desvantagem para o psicanalista. Ela é uma desvantagem quando certas convenções
cientificas aceitas se tornam arraigadas demais na mente do estudante.”
Freud precisa dizer a verdade a todo
custo! Não consegue se forçar a lisonjear os Estados Unidos, onde tem a maioria
dos seus admiradores. Não consegue, mesmo estando em desvantagem, fazer as
pazes com a profissão médica, que até hoje o aceita com grande relutância.
Apesar da sua integridade inflexível,
Freud é muito cortês. Ele ouve qualquer sugestão com paciência, sem jamais
tentar intimidar o entrevistador. É raro um convidado partir sem algum
presente, uma lembrança da sua hospitalidade!
A noite chegara.
Estava na hora de pegar o trem de volta
para a cidade que um dia abrigara o esplendor imperial dos Habsburgos.
Freud, acompanhado pela esposa e pela
filha, subiu a escada que ligava o seu retiro nas montanhas à rua, para se
despedir de mim. Ele me pareceu triste e sombrio, quando acenou para mim.
“Não me faça parecer um pessimista”,
comentou depois do último aperto de mão.
“Eu não desprezo o mundo. Expressar
insatisfação para com o mundo é só uma outra maneira de cortejá-lo, para
conseguir plateia e aplausos!
Eu não sou um pessimista, não enquanto
tiver meus filhos, minha mulher e minhas flores! As flores”, acrescentou ele
sorrindo, “felizmente não têm personalidade e complexidades. Adoro as minhas
flores. E não sou infeliz – pelo menos, não mais do que outras pessoas.”
O apito do meu trem soou na noite. O
carro me levou à estação com rapidez. Aos poucos, a figura levemente curvada e
a cabeça grisalha de Sigmund Freud desapareceram ao longe.
Como
Édipo, Freud olhou fundo nos olhos da Esfinge. O monstro propõe seu enigma para
qualquer viajante. O andarilho que não souber a resposta será cruelmente
agarrado e atirado contra as rochas. Mesmo assim, ela talvez seja mais gentil
com aqueles que destrói do que com os que advinham seu segredo.
________________
________________
eugene
o'neill
Entrevistado
por Young Boswell
New
York Tribune,
24 de maio de 1923
pp.
81- 83.
Eugene Gladstone O'Neill (1888-1953), teatrólogo americano, nasceu em Nova Iorque. Filho de um ator mambembe, ele trocou os estudos pela vida de marinheiro, viajando para a África do Sul e Austrália no convés de um navio. Ao retornar de uma de suas travessias, O'Neill foi vitimado por uma tuberculose e terminou confinado no sanatório. Na cama de um hospital ele começou a escrever suas primeiras peças. Em 1920, ganhou o primeiro Prêmio Pulitzer de sua carreira por Beyond the horizon ("Além do horizonte"). Outros viriam: Anna Christie (1922), Strange interlude ("Estranho interlúdio"), de 1928, e A long day's journey into night ("Uma longa jornada noite adentro"), de 1957. O'Neill foi o primeiro dramaturgo a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1936.
Young
Boswell
era o pseudônimo usado pelo jornalista Harold Stark para uma série de pequenas
entrevistas editadas no New York Tribune. Em 1923, Stark, recém saído do
Princebridge College, decidiu entrevistar o romancista americano Joseph
Hergesheimer, apenas como exercício de estilo. De posse do manuscrito, ele se
apresentou ao editor do Tribune, Julian Mason, oferecendo seus serviços
numa coluna diária de pequenos diálogos com grandes personalidades. Teria
início, ali, uma das mais profícuas carreiras de entrevistadores da história do
jornalismo.
Eugene O'Neill lidera os dramaturgos sérios da América de hoje. As suas peças Beyond the horizon e Anna Christie receberam o Prêmio Pulitzer em dois anos sucessivos. Seus textos estão sendo produzidos na Inglaterra, na França e na Alemanha, e são saudados com um enorme entusiasmo. O Emperor Jones ("O imperador Jones") foi uma experiência pioneira de hipnose da plateia. O'Neill é filho de um ator. Ele foi, numa rápida sequência, aluno de Princeton, minerador de ouro, marinheiro, ator, poeta, dramaturgo, e tem só 33 anos.
Atualmente
nenhum escritor desse país possui o penetrante senso de tragédia que se
manifesta nas peças de Eugene O'Neill. Uma pessoa disse que ele era
super-sensível e mórbido como uma criança, e outra, um crítico acadêmico, disse
que sem dúvida ele escrevia com uma veia trágica porque era jovem. Quem quer que
estivesse certo, Young Boswell ficou curioso em descobrir a origem dessa
característica trágica incisiva e inevitável, mas achou que o jovem dramaturgo
ficou reticente quando o assunto foi mencionado.
O'Neill
- Tenho
um sentido inato de júbilo pela tragédia, que deriva de uma grande reverência ao
sentimento grego da tragédia. A tragédia do Homem talvez seja a única coisa
significativa a seu respeito.
Ele
é um homem de constituição flexível, o que lhe propicia uma ilusão de altura.
Seu rosto é comprido e estreito, jovem e sensível, seus olhos são sérios e
muito escuros, como se as coisas aparecessem de modo sombrio através deles. Seu
cabelo castanho já estava grisalho nas têmporas. Falava com sinceridade, mas
com hesitação ao ser impelido a comentar sobre suas coisas particulares e
teorias que confessou não ter formulado. Não é um artista autoconsciente, mas
muito mais um homem viril, que não consegue parar de escrever. No entanto, ele
não é auto-revelador.
O'
Neill -
Quero escrever uma peça verdadeiramente realista. Esse termo é usado livremente
no palco, onde a maioria das chamadas peças realistas tratam apenas da
aparência das coisas, enquanto uma peça verdadiramente realista trata do que
pode ser chamado a "alma dos personagens". Trata daquilo que faz o o
caráter de uma pessoa ser só dela e não de outra. A Dance of Death
("A Dança da Morte") de Strindberg é um exemplo desse realismo
real. Nas duas últimas peças, a The Fountain ("A Fonte") e
aquela em que estou trabalhando agora, sinto que estou voltando à religião no
teatro na medida em que é possível se voltar a ela, nos tempos modernos. A
única maneira de podermos trazer a religião de volta, é através de uma
exaltação da verdade, uma exultante aceitação da vida.
Ele
hesitou, como se não quisesse revelar mais nada, e olhou para fora, pela
janela. Então continuou.
O'Neill
-
Se há algo significativo na modernidade, é o fato de estarmos encarando a vida
como ela é verdadeiramente. Isso diferencia essa época de qualquer outra. Não
temos nenhuma religião para nos evadirmos da vida. Assim como todas as outras
evasões, a religião está falindo. Estamos olhando a vida diretamente nos olhos;
e vemos que ela não contém nenhuma das qualidades que sempre usamos para
descrever as boas coisas que ela possui. Assim, precisamos encará-la como ela
é, dentro de nós, fazer as coisas com alegria e sentir entusiasmo. É uma coisa
difícil sentir-se exultante com a vida moderna.
Ficou
em silêncio novamente. Abaixou-se para amarrar o cordão do sapato e Young
Boswell ficou com medo de que ele não proseguisse. Mas então ele falou do
teatro.
O'Neill
-
O que eu estou querendo é um público que saia do teatro com um sentimento
exultante, ao ver alguém no palco encarando a vida, lutando contra as eternas
indefinições, não conquistando, mas talvez inevitavelmente sendo conquistado. A
vida individual torna-se significativa só pela luta, pela aceitação e defesa
desse indivíduo, fazendo dele o que ele não é, como sempre no passado,
tornando-o algo que não é ele mesmo. Na medida em que The Fairy Ape é um
exemplo disso, seria o último gesto do personagem, quando ele se mata. Ele se
torna ele mesmo, e nenhuma outra pessoa.
Boswell
- A
completa realização do ego individual!
O'Neill
-
A luta do Homem para dominar a vida, de se afirmar e insistir que ela não tem
significação fora dele mesmo; onde ele entra em conflito com a vida, o que ele
faz a cada virada e sua tentativa de adaptar a vida às suas próprias
necessidades, o que não consegue; é o que quero dizer quando digo que o Homem é
um herói.
Se
um em dez mil consegue captar o que o autor quer dizer, se esse indivíduo,
consegue formular dentro de si mesmo sua identidade com a pessoa da peça e ao
mesmo tempo sentir a vibração emocional de ser aquela pessoa da peça; então o
teatro voltará ao significado fundamental do drama, que contém algo do espírito
religioso que o teatro antigo grego tinha. E algo da exultação que está
totalmente ausente da vida moderna.
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