segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A fotografia de Elena Shumilova

      


             Há instantes e lances que somente a fotografia é capaz de expressar perfeitamente. Da mesma forma como há outros que somente são possíveis de primorosa representação pela palavra escrita. Consiste uma peculiaridade das artes ter o mérito do privilégio da comunicação de algo. Certas coisas só são possíveis de serem ditas ou expressadas por meio delas: têm uma existência inteira dependente da expressão artística. 
          O trabalho de Elena Shumilova, fotógrafa russa, me aludiu a essa observação. Tão imediatamente cativada pelas suas belas fotografias, me indaguei o que havia no trabalho dela que me agradava de modo especial. Desde já, considerei pressuposta a existência de algum elemento distinto nos seus retratos, atestado que cenas tão comuns e naturalmente encantadoras, como a bonita relação afetuosa entre crianças e animais, me dava a impressão de estar me comunicando algo mais (ou a mais) que a beleza característica da cena. Dei-me conta então, após demoradas, repetidas e atentas apreciações das fotografias, que era justamente o tal fato da comunicação de algo que nem uma outra arte poderia explicar tão bem, em conjunto com o outro fato, o da pessoalidade das lentes, no caso, da Elena, que se traduziria no que outros fotógrafos não significaram de maneira tão magnânima, que davam às fotos certa especialidade. 
              A magnanimidade existente no retrato de uma criança com um bichinho, em minhas lentes nasceu de uma interação diferente entre esses dois serzinhos, que a foto me passou, e antes, em contato com várias outras fotos ou imagens semelhantes, não consegui notar de forma tão viva e sublime. Essa interação dos pequenos com os animais nas fotografias de Elena Shumilova me expressam um encontro, que, para além da beleza da natureza de um encontro, fecunda-se em uma união, um encaixe, por fim, uma completude entre os dois seres. Tem-se a representação de uma interação franca, forte e de equidade, que põe a criança mais parte e participante do mundo da Natureza de que do mundo dos homens - impressão que remete, inevitavelmente, a sugestão da origem dos seres e de suas relações originais de equidade. 
               Não é muito difícil captar essa minha impressão se, por exemplo, no lugar da criança imaginarmos um adulto qualquer, sem esforço e logo, se verá que a interação de que trato não se estabelece; funda-se outro tipo de interação entre o adulto e o animal, que não traz o encontro e a equidade - realize essa prova com outras fotos da mesma artista, como, por sugestão, uma em que no lugar da criança, participa da relação com os animais, passeando com vários cachorros, uma bela jovem moça loira. Tal interatividade magnânima nascida da relação afetuosa e fraterna entre pequeninos e peludos não desponta.
           É possível explicar a constatada ausência de interatividade entre um adulto e o animal, me valendo da imagem fruto da própria fotografia. A criança, como os animais, se encontram e juntam, porque compartilham da experiência da condição naïf - palavra da língua francesa que é empregada para designar o estado da mais absoluta natureza, ingenuidade, inocência -, portanto a criança e os animais exprimem uma relação de ingenuidade, traduzida pela falta de malícia e a presença do tratamento doce, carinhoso, percebido tanto no olhar dos animais quanto no das crianças. 
            Tomando a imagem por esse ponto de vista, não almejo afirmar a inocência das crianças - pois não acredito que elas sejam inteiramente inocentes -, mas, por outro lado, estou admitindo algo que me surgiu como um fato através do registro da fotografia: que a relação da criança com o animal traz a imagem da ingenuidade da criança, e também afora a inocência infantil, a imagem exprime a condição de natureza, em um termo: o estado naïf dos seres, que não é outro que o de seu encontro e igualdade ("A igualdade é a primeira peça da equidade", disse Montaigne). Reside aqui a magnanimidade da fotografia de Elena Shumilova. 
                   O assunto desta postagem foi inspirado, sobretudo, nas seguintes fotografias:







 Afora essas fotos em que percebo a temática abordada no texto da postagem, ainda há outras belíssimas fotos da fotógrafa, entre elas:








E para ver mais do trabalho de Elena, aqui fica o link de acesso à sua página pessoal.

4 comentários:

Unknown disse...

Que fofura!!
Imagino qual seria o resultado se eu tentasse dar um abraço daqueles na Domênica, rsrs!
Adorei Brunete! Muito obrigada pela indicação!
bjos

Bruna Caixeta disse...

Posso imaginar a reação da senhorita Domênica ao ser abraçada tão apertadamente, em uma imagem: uma imponente gatona alva, na altura do seu ar nórdico e aristocrata desvencilhando braços plebeus! [Risos!]

Ela se desfaria do abraço, com um desgosto não muito diferente daquele que também tem pelo gesto a dona dela, não é mesmo?![Risos e mais risos!]

Fico contente que tenha adorado a postagem, Danizita!

Um abraço bem felpudo [e ligeiro!rs] para você!

Márcia disse...

Oi filha,

As fotos não são só maravilhosas, são realmente comoventes!

Adorei.

Um abraço bem fofo.

Mamãe

Bruna Caixeta disse...

Sim, mami! As fotografias comunicam algo mais que a beleza, e algo esse, que nos comove.

Obrigada pela presença ilustre, minha querida professora de atenção à beleza mais simples e natural - quem primeiro me atentou para a beleza de um ipê, e a partir de então, aprendi a achar belas (ou mais belas, talvez) também as coisas mais frugais.

Um abraço de fofura!