sábado, 30 de agosto de 2014

A autonomia freiriana

           Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire desde sempre foi um livro que me encantou. Considero-o um livro indispensável para os que aspiram à docência (ou mesmo que já são professores) e para todas as pessoas que refletem e se preocupam com o seu estado de ser/estar no mundo. 
         Em minha leitura, o livro de Freire, embora primeiramente direcionado para professores, é um compêndio de lições para todos os homens em sua relação com o mundo. Nele, Freire descreve a postura comum, e principal, a ser assumida pelos homens diante do mundo: a assunção de si como ser histórico e social; como pessoa portadora de uma responsabilidade ética no seu convívio com todas as coisas; no seu relacionamento com as pessoas, com a natureza. 
      Paulo Freire propõe a responsabilidade como princípio da autonomia. A responsabilidade como agente do bom convívio humano; de um agradável estar no mundo. Só assumindo-se historicamente, entendendo que tem um papel a desempenhar enquanto sujeito em convívio com outros, pessoas e natureza, o ser humano se acerta com e no mundo; é capaz de se respeitar e respeitar os demais. Sem assumir responsabilidade, ele não consegue ser ético, político (no sentido antigo grego do termo, "de pertencer à pólis") e não se realiza sócio e pessoalmente, em uma palavra: não alcança a autonomia (autonomia no seu sentido mais original é igual a estabelecer suas próprias responsabilidades, leis, condutas).
             Creio que a assunção de si mesmo como ser histórico é uma das maiores responsabilidades existentes. Por essa razão, Paulo Freire faz uma nobre e grandiosa proposta de existência aos homens. Não apenas como lição, mas como dever, é imperioso que a consideremos em nosso avançar histórico. 
            Desde que fui apresentada a essa concepção freiriana da autonomia, acrescentei-a aos meus mais sólidos princípios, a funcionar como um dos meus melhores pontos de referência e de retorno. Com saudades de lembrar desse princípio, e também de seu livro, voltei a ele, li-o novamente, e o finalizei já planejando retornar a ele a algum tempo - pois que, como já ensinou os antigos, os bons livros devem estar conosco a vida inteira.
              Enquanto não vem a segunda leitura, da primeira brevemente recordo (e transcrevo) as seguintes palavras de Freire:

      "Gostaria de sublinhar a nós mesmos, professores e professoras, a nossa responsabilidade ética no exercício de nossa tarefa docente. Sublinhar esta responsabilidade igualmente àqueles e àquelas que se acham em formação para exercê-la. Este pequeno livro se encontra cortado ou permeado em sua totalidade pelo sentido da necessária eticidade que conota expressivamente a natureza da prática educativa, enquanto prática formadora. Educadores e educandos não podemos, na verdade, escapar à rigorosidade ética. [...] 
            É que me acho absolutamente convencido da natureza ética da prática educativa, enquanto prática especificamente humana. [...] Quer dizer, mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um "não-eu" se reconhece como "si própria". Presença que pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma virtude. Na verdade, seria incompreensível se a consciência de minha presença no mundo não significasse já a impossibilidade de minha ausência na construção da própria presença. Como presença consciente no mundo não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-me no mundo. Se sou puro produto da determinação genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que faço no mover-me no mundo e se careço de responsabilidade não posso falar de ética. Isto não significa negar os condicionamentos genéticos, culturais, sociais a que estamos submetidos. Significa reconhecer que somos seres condicionados mas não determinados. Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro, permita-se-me reiterar, é problemático e não inexorável".
(páginas 13 a 20, da edição Paz e Terra, de 1996, de Pedagogia da Autonomia).

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