The Lady, "Além da Liberdade" (2011, França/Inglaterra) na tradução brasileira, é um filme do diretor francês Luc Besson, que aborda o período repressivo de governo da junta militar na Birmânia e a luta da ativista Aung San Suu Kyi pelo fim do regime ditatorial em seu país.
Apresentando-nos o percurso de entrada de Suu Kyi na vida política birmanesa, o filme é fiel aos acontecimentos da vida de Kyi, que, pelo acaso e pela sua filiação, inexoravelmente envolveu-se na luta pela implantação do regime democrático e o fim da política militar em seu país. Filha do ativista, e então mártir político dos democratas, Aung San, que foi assassinado pouco antes da independência do país da Inglaterra, por que tinha lutado, Suu Kyi (Michelle Yeoh) é informada da morte de sua mãe em Oxford, onde, desde então, levava uma vida normal com o marido, Michael Aris (David Thewlis) e seus dois filhos, Kim (Jonathan Raggett) e Alexander (Jonathan Woodhouse), vendo-se, enfim, no dever de comparecer à Birmânia para assistir a mãe.
Desde o início de sua chegada ao país natal, no ano de 1988, Kyi é surpreendida pelo tratamento agressivo dos generais às manifestações estudantis e populares que aconteciam nas ruas de Rangum, bem como pelas atitudes prepotentes e bárbaras dos militares de matar ativistas dentro até dos hospitais que acolhiam os feridos nas manifestações. A chegada de Kyi logo é notada pelos oficiais militares, pelos ativistas democratas e início de seu envolvimento político no país.
Suu Kyi é convocada em sua casa, por um grupo de estudantes, professores e ativistas interessados no regime democrático a liderar o movimento pela institucionalização da democracia na Birmânia e continuar a luta pela independência deste país das forças repressoras, iniciada pelo pai - figura de maior representação da liberdade política, estampada em retratos e faixas dos democratas. Em meio à doença da mãe, da sua vida familiar constituída na Inglaterra, Kyi decide assumir a luta dos democratas. Ela se torna a principal líder do movimento pró-democratização. No
mesmo ano 1988, entre outubro e dezembro Suu Kyi percorre o país, pregando a não violência e a desobediência civil, em grandes comícios, e cerca de dez mil pessoas morrem na luta contra o regime militar
birmanês. Em dezembro, morre sua mãe, Khin Kyi, aos setenta e seis anos e Kyi continua a sua luta política.
Em 1989, Kyi, já alvo de grandes preocupações dos generais, é presa em domicílio pela primeira vez. Fica impedida de apresentar a sua candidatura às eleições gerais do ano de 1990 - as primeiras do país desde 1962. Ainda assim, seu partido, a Liga Nacional para a Democracia, obtém uma vitória nas eleições de 1990, conquistando 81% das cadeiras em disputa, graças ao trabalho dos ativistas e em parte de seu marido, então na Birmânia. Todavia, a junta militar se recusa a reconhecer o resultado das eleições e a partir do acontecimento, passa a endurecer as medidas de perseguição aos ativistas, prendendo e torturando quase todos eles. Os filhos e o marido de Kyi ficam impedidos de entrar no país a partir de então. Ela dá início, como uma discípula de Gandhi, a uma greve de fome pela libertação e o fim da violência aos ativistas. Amedrontado pela possibilidade de surgir outro mártir na política, a junta militar liderada por Ne Win, já há 26 anos no poder com medidas de violência, decide, embora por pouco tempo, amenizar as penas aos oponentes.
Por essa época, de certo benefício e fôlego para a luta de Suu Kyi, Michael Aris, o marido de Kyi, professor de história e especialista na civilização tibetana na Universidade de Oxford, dá início à divulgação da situação política da Birmânia no Reino Unido e da condição de repressão e prisão vivida por Suu Kyi no país. Com uma estratégia admirável, consegue que a atenção das autoridades estrangeiras se volte para Kyi, a partir de suas tentativas de torná-la uma laureada pelo Prêmio Nobel da Paz. Além de Kyi ser merecedora do prêmio pelo seu exemplo moral e cívico, Michael via na premiação oportunidade de conseguir maior apoio internacional para a luta de Kyi pela mudança da situação política birmanesa. Ela ganha o Nobel da Paz no de 1991, mas, por estar em prisão domiciliar, não comparece na cerimônia de entrega do prêmio, recebendo seus filhos, em seu lugar, a condecoração. Entretanto, a estratégia de Michael consegue êxito.
Em 1995, o regime militar decide suspender a pena de prisão domiciliária
imposta a ela, como sinal de abertura democrática dirigido à comunidade
internacional. Mas, sua liberdade dura pouco. No Natal deste ano revê pela última vez o marido e os filhos, que ficam impedidos, no ano seguinte, de regressar ao país. Ainda em 1995 Kyi volta à prisão domiciliar. Em 1999, Michael morre por um câncer de próstata e Kyi apenas consegue das autoridades birmanesas, permissão para deixar o país e voltar para Inglaterra, o que ela não aceita, pois que, se o fizesse, nunca mais teria a permissão da junta militar de regressar à Birmânia. Desde então, vive um período longo e solitário, uma ou outra hora solta por pouco tempo, que resultará em 15 anos de prisão em sua casa em Burma.
O filme de Luc Besson termina retratando a vida de Aung San Suu Kyi até esse momento da sua última e mais duradoura prisão. Besson opta por trazer à cena as qualidades morais da ativista e suas constantes dificuldades de divórcio forçado dos filhos e do marido, destacando-as paralelo às brutalidades e grosserias da junta militar. Se essa forma de retratação foi criticada negativamente por alguns críticos de cinema, que viram na abordagem dos dramas emocionais de Kyi mãe e defensora política, na permanente escolha que se apresentava a ela entre a família e o país, uma sucessão de dramas e por vezes cenas melodramáticas, tomo-a como uma qualidade maior do filme e da ótica escolhida pelo diretor. Luc Besson não faz mais que o retrato humano de uma grande personalidade. Põe em cena os exatos dramas e emoções que uma mulher, uma mãe, uma filha de um mártir da democracia experienciaria na sua condição. Condição essa, vale lembrar, e que justifica a pertinência da retratação cinematográfica, definida não mais que pela imposição casual da vida de Suu Kyi, que em uma visita ao hospital para ver a mãe doente, envolve-se com os conflitos políticos de seu país.
Um filme forte e emocionante repleto de posturas humanas genuínas,The Lady, pode ser, entre um exemplo de ações morais e equilibradas, e entre outras coisas, um importante instrumento político. Assim como outrora Michael Aris cuidou para o conhecimento internacional da situação política da Birmânia e da pertinente luta pacífica pela democracia iniciada pela sua esposa Suu Kyi, o filme é uma colaboração mais indireta no mesmo sentido. Como o posfácio escolhido por Luc Besson confirma, bem como a frase da ativista birmanesa clama: "Use sua liberdade para promover a nossa". Certamente a divulgação do filme tardiamente, porém ainda a tempo, em 2011, se deva a maior abertura política que vive o país desde 2010, com a liberação de Kyi da prisão graças às pressões internacionais e do regime mais pacifista iniciado pelo atual presidente de Myanmar (Birmânia), Thein Sein, eleito em 2011. A sua divulgação em um ano de maior relaxamento do regime autoritário é um significativo meio de reforçar a luta pela democracia no país.
Se realizada a revisão da Constituição, a Liga Nacional para a Democracia, já fez saber que Aung San Suu Kyi irá disputar as eleições legislativas de 2015. Pessoalmente, e de antemão, já torço para a vitória de Kyi, visto que ela não apenas será imprescindível para o desenvolvimento da Birmânia e a melhoria das condições sociais no país, postergadas já há 50 anos por regimes ditatoriais, como instituirá o fim de mais um regime de atraso à democracia e aos direitos humanos universais.
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