terça-feira, 24 de setembro de 2013

A VIDA ASSIM NOS AFEIÇOA

Se fosse dor tudo na vida,
Seria a morte o sumo bem.
Libertadora apetecida,
A alma dir-lhe-ia, ansiosa: - "Vem!

"Quer para a bem-aventurança
"Leves de um mundo espiritual
"A minha essência, onde a esperança
"Pôs o seu hálito vital;

"Quer, no mistério que te esconde,
"Tu sejas, tão somente, o fim:
" - Olvido imperturbável, onde
"Não restará nada de mim!"

Mas horas há que marcam fundo...
Feitas, em cada um de nós,
De eternidades de segundo,
Cuja saudade extingue a voz.

Ao nosso ouvido, embaladora,
A ama de todos os mortais,
A esperança prometedora,
Segreda coisas irreais.

E a vida vai tecendo laços
Quase impossíveis de romper:
Tudo o que amamos são pedaços
Vivos do nosso próprio ser.

A vida assim nos afeiçoa,
Prende. Antes fosse toda fel!
Que ao se mostrar às vezes boa,
Ela requinta em ser cruel...

 Estrela da Vida Inteira | A Cinza das Horas | p. 20 e 21.
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A ESTRADA

Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho,
Interessa mais que uma avenida urbana.
Nas cidades todas as pessoas se parecem.
Todo o mundo é igual. Todo o mundo é toda a gente.
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única.
Até os cães.
Estes cães da roça parecem homens de negócios:
Andam sempre preocupados.
E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho manhoso.

Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! que a vida passa!
E que a mocidade vai acabar.

Estrela da Vida Inteira | O ritmo dissoluto | p. 87.
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O IMPOSSÍVEL CARINHO

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

Estrela da Vida Inteira | Libertinagem | p. 119.
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EU VI UMA ROSA

Eu vi uma rosa
- Uma rosa branca -
Sozinha no galho.
No galho? Sozinha
No jardim, na rua.

Sozinha no mundo.

Em torno, no entanto,
Ao sol de meio-dia,
Toda a natureza
Em formas e cores
E sons esplendia.

Tudo isso era excesso.

A graça essencial,
Mistério inefável
- Sobrenatural -
Da vida e do mundo,
Estava ali na rosa
Sozinha no galho.

Sozinha no tempo.

Tão pura e modesta,
Tão perto do chão,
Tão longe na glória
Da mística altura,
Dir-se-ia que ouvisse
Do arcanjo invisível
As palavras santas
De outra Anunciação.

Estrela da Vida Inteira | Lira dos Cinquent'anos | p. 167.
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CÉU

A criança olha
Para o céu azul.
Levanta a mãozinha,
Quer tocar o céu.

Não sente a criança
Que o céu é ilusão:
Crê que o não alcança,
Quando o tem na mão.

Estrela da Vida Inteira | Belo Belo | p. 184.
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MENSAGEM DO ALÉM

                          Aqui estamos todos nus. 
                                          Jaime Ovalle

Aqui é tudo o que olhamos
Nu como o céu, como a cruz,
Como a folha e a flor nos ramos:
Aqui estamos todos nus.

As vestes que aí usamos
Nada adiantam. Se o supus,
Se o supões, nos enganamos:
Aqui estamos todos nus.

Dinheiro que aí juntamos,
Joias que pões (e eu já as pus),
De tudo nos despojamos:
Aqui estamos todos nus.

Aqui insontes nos tornamos
Como antes do pecado os
De quem todos derivamos,
Aqui estamos todos nus.

Aos pés de Deus, que adoramos
Sob a sempiterna luz,
É nus que nos prosternamos:
Aqui estamos todos nus.

Estrela da Vida Inteira | Estrela da Tarde | p. 236.
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ORAÇÃO

             São Francisco de Assis

Oh Senhor, faze de mim um instrumento da tua paz:
Onde há ódio, faze que eu leve Amor;
Onde há ofensa, que eu leve o Perdão;
Onde há discórdia, que eu leve União;
Onde há dúvida, que eu leve a Fé;
Onde há erro, que eu leve a Verdade;
Onde há desespero, que eu leve a Esperança;
Onde há tristeza, que eu leve a Alegria;
Onde há trevas, que eu leve a Luz.

Oh Mestre, faze que eu procure menos
Ser consolado do que consolar;
Ser compreendido do que compreender;
Ser amado do que amar.

           Porquanto
É dando que se recebe;
É perdoando que se é perdoado;
É morrendo que se ressuscita para a Vida Eterna.

Estrela da Vida Inteira | Poemas traduzidos | p. 362.
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O ÚLTIMO POEMA

Assim eu quereria o meu último poema

Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume

A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Estrela da Vida Inteira | Libertinagem | p. 120.


BANDEIRA, Manuel. Manuel Bandeira: poesia completa e prosa. Volume único. 5 ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009. 

2 comentários:

Unknown disse...

Fico passada com os posts cultos desse blog! Passe um pouco dessa inteligência pra mim? rsrs!!
E cadÊ os posts novos? Nada de abandonar o blog, hein!

Bruna Caixeta disse...

Danizita, minha querida!
Bons ventos a trazem cá. Fico feliz com sua visita.

Estou mesmo precisando atualizar o Brumas, anda abandonado, coitado. Esse finalzinho de outubro e o mês de novembro têm me sido limitadores. Só uma coisa faço: revisar a tal da dissertação. Mas, logo logo, venho atender o Brumas - "nada de abandonar o blog", né?!

Abração para você.
Vemo-nos já!