domingo, 11 de setembro de 2011

A ficção científica no Brasil

O seguinte diálogo, parafraseado por Reynaldo C. Tavares em seu livro Histórias que o rádio não contou (1997), exige ser reproduzido em um trabalho sobre ficção científica brasileira:

De volta ao Brasil, em 1905, pretendia o Padre Landell de Moura doar seus inventos, com as respectivas patentes, ao governo brasileiro.
Escreveu ao Presidente da República do Brasil, Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, solicitando dois navios da esquadra brasileira para uma demonstração pública dos seus inventos.
O Presidente designou um dos seus assessores (...), para saber junto ao padre, a que distância desejava que ficasse um navio do outro, no interior da Baía da Guanabara (...)
- Distância? No interior da baía? Não, doutor, fora da baía, em alto mar e à distância máxima que for possível... (...)
O enviado palaciano simplesmente assombrou-se com o entusiasmo do santo padre... (...)
- Dai-me um movimento vibratório tão extenso quanto a distância que nos separa desses outros planetas que rolam sobre nossas cabeças ou sob nossos pés, e eu farei chegar a minha voz até lá...
- Quantas milhas, reverendo?
- As que quiserem, ou puderem - retrucou Landell de Moura. E prosseguiu: - Meus aparelhos podem estabelecer comunicação com quaisquer pontos da Terra, por mais afastados que estejam uns dos outros, e isto presentemente, porque futuramente servirão até mesmo para comunicação interplanetárias...
Olhando-o, espantado com tudo aquilo que acabara de ouvir, o representante governamental, com aquela empáfia muito própria desses imbecis, empertigando-se todo (não havia entendido nada), solenemente afirmou:
- Muito bem, reverendo; farei um minucioso relatório a Sua Excelência o Sr. Presidente da República, o Dr. Rodrigues Alves, certificando-o de tudo o que o senhor acaba de explanar-me...

Chegando ao Palácio do governo, não deu outra:

- Excelência, o tal padre é positivamente um maluco. Imagine que esse impostor de saias chegou a garantir-me que dentro de alguns anos o homem, através da ciência, estará comunicando-se com outros planetas, outros mundos...

Em 1892, Alberto Santos Dumont, um fã de Jules Verne, foi para a França construir o primeiro avião capaz de decolar e pousar por seus próprios meios, o 14-Bis, pássaro estranho que parecia com uma cruz invertida feita de pipas. Antes do seu histórico voo de 26 de outubro de 1906, ele havia ganho o Deustch Prize em 1901, ao circular a Torre Eiffel com um balão dirigível. O seu Demoiselle, uma concepção de 1907, foi o protótipo de todos os aviões leves modernos.
Todavia, enquanto os irmãos Wright contestavam ativamente outras invenções de aeroplanos, baseados em uma patente requerida nos Estados Unidos, Dumont doou de bom grado a sua invenção à humanidade, sem se importar em "auferir benefícios".
E em seguida, quando os aviões se tornaram um recurso crucial na I Grande Guerra, Santos Dumont ficou tão deprimido pelo mau uso da "sua" invenção, que terminou cometendo suicídio em 1932, quando a guerra aérea finalmente chegava ao Brasil, durante a Revolução Constitucionalista.
Pode-se argumentar que Santos Dumont era ingênuo, a despeito de toda a sua aura cosmopolita. Ele pôde facilmente engolir o discurso positivista europeu do benfeitor da humanidade porque ele próprio era um proprietário de terras no Brasil, herdeiro de uma das maiores fazendas de café da época. Também não era dele a preocupação de dar ao seu país - onde nasceu e viria a morrer - a vantagem na corrida tecnológica. O Brasil, uma sociedade de base rural, não se preocupava com isso. Paradoxalmente, em 1917, Santos Dumont escreveu ao Presidente da República, com o apelo de que

[de que os] senhores dirigentes e representantes da Nação que deem asas ao exército e à Marinha Nacional. Hoje, quando a aviação é reconhecida como uma das armas principais da guerra, quando cada nação europeia possui dezenas de milhares de aparelhos, quando o Congresso americano acaba de ordenar a construção de 22 mil destas máquinas e já está elaborando uma lei ordenando a construção de uma nova série, ainda maior; quando a Argentina e o Chile possuem uma esplêndida frota aérea de guerra, nós, aqui, não encaramos ainda esse problema com a atração que ele merece.

Sem dúvida, um veemente apelo belicista da parte do homem que em janeiro de 1926 ofereceria um prêmio para um ensaio que condenasse o emprego de aeronaves na guerra. Santos Dumont foi também o primeiro a demonstrar alguma aplicabilidade militar de aparelhos aéreos, ao disparar uma pistola a partir do seu dirigível n. 9, na comemoração do Dia da Bastilha, em 1903. Pretendia homenagear o presidente Loubet, mas acabou pregando um susto no francês. Santos Dumont tinha certamente uma personalidade contraditória, que lhe permitia abdicar de patentes, e ao mesmo tempo exigir do Brasil de 1917 um esforço industrial e tecnológico que forneceria não só um equilíbrio estratégico, em relação a países vizinhos, mas também um impulso substancial à aeronáutica no país (talvez o seu verdadeiro interesse). Foi ignorado.
Ainda no início do século XX, a jovem república brasileira permaneceria um país rural, agora com um forte fluxo de imigrantes vindos da Europa e do Japão, mas um país repleto de doenças tropicais que feriam o comércio internacional. Um jovem médico que havia estudado na França foi chamado para fazer algo a respeito. Era Oswaldo Cruz, que, usando os conhecimentos do médico cubano Carlos Finlay, foi capaz de determinar os meios de transmissão e a estratégia de combate contra doenças como a febre amarela e a peste bubônica, que ele debelou em um gigantesco esforço sanitário que foi recebido com grande suspeita pelo povo, que parecia temer mais a intrusão das equipes sanitárias em suas casas do que as doenças. Revoltas populares eclodiram, mas Cruz prevaleceu.
Em seguida ele se engajou em uma expedição para pesquisar o território continental do Brasil. Era a primeira vez que uma expedição desse tipo se realizava, identificando os problemas do homem brasileiro, em termos médicos e sociais. Cruz e seus seguidores de fato introduziram o pensamento moderno na ciência brasileira, quase duas décadas antes de o movimento modernista chegar aos campos das artes e da filosofia. Apresentando-se na Feira Mundial na Europa, a ciência médica brasileira provou-se tão avançada quanto qualquer uma no mundo. O Instituto Manguinhos, construído por Cruz, era então "um dos melhores do mundo no seu gênero", conforme declarou o narrador da ficção científica A liga dos planetas (1923), de Albino José Ferreira Coutinho.
Cruz era um sujeito realmente esperto, que sabia que nada disso sobreviveria à volubilidade dos governos brasileiros. O seu modo de prevenir-se foi construir o Instituto Manguinhos como um castelo mourisco, monumento que não passaria despercebido, belo demais para ser posto abaixo pelo capricho de um novo governante. Afinal, o Brasil do começo do século XX era ainda um país com uma queda pela posse da terra e por seu emblema maior: a casa grande e a mansão.


CAUSO, Roberto de Sousa. Ficção científica, fantasia e horror no Brasil: 1875 a 1950. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003, pp. 124- 127.

2 comentários:

Lívio disse...

Bruna, a primeira história é incrível.

Bela postagem.

Abraço.

Bruna Caixeta disse...

Lívio, interessante a história, não?!

Gostei também foi de conferir os desenhos do Landell de Moura para seu projeto da transmissão sem fio da voz humana. Na Wikipédia tem disponível alguns. Para vê-los é só acessar este link: http://pt.wikipedia.org/wiki/Roberto_Landell_de_Moura

Um abraço.