sábado, 16 de abril de 2011

Anatomia da Melancolia e da Utopia

Dois conceitos problemáticos, o de utopia e o de melancolia, podem apresentar relações muito próximas. Se entendermos a utopia como uma tentativa distanciada e lúcida de esboçar um modelo a partir do qual será possível analisar, ou quem sabe, modificar a realidade - aqui compreendendo todos os sistemas econômicos, políticos, sociais e éticos -veremos que ela está intimimamente vinculada à história e não se define pela arbitrária e fantasiosa criação de povos e sistemas sociais. A utopia nasce da insatisfação do sujeito para com os sistemas socias vigentes e pelo desejo e a esperança de vê-los outros. Nessa mesma medida, o estado melancólico -também resultado de insatisfação e de distanciamento do real- pode vir a provocar o desejo de alteração do atual e desarrazoado estado das coisas.  

Vita Fortunati (professora de Literatura Inglesa na Universidade de Bologna), num artigo chamado Utopia and Melancholy: an intriguing and secret relationship (publicado na Revista Morus: utopia e renascimento, nº 2, 2005, Unicamp), como claramente expõe no título do seu trabalho, aproxima os dois conceitos (o de utopia e o de melancolia), e num momento do seu texto pega emprestada a interpretação de Walter Benjamin para a imagem Angelus Novus de Paul Klee a fim de "ler" o desenho Melancholia I de Albrecht Dürer. Como o desenho de Dürer (1471-1528, pintor e ilustrador alemão) e a leitura de Vita e Benjamin (misturadas na citação abaixo) são coincidentes e interessantes, bem como ainda, belos, apresento-os respectivamente:


Melancholia I, Albrecht Dürer, 1514.

In Dürer's work the angel is surrounded by the tools of active life, a square, a wheel, a plane, some nails, a hammer, a saw, and pincers; a glass-hour is behind him, an immobile sphere can be seen beneath. The angel of melancholia symbolizes the typus acediae and embodies the human condition  of transience along with man's inability to accept it, after he has experienced the loss of the sense of time. Klee's Angelus Novus is regarded by Benjamin as the icon of the melancholic attitude man feels towards history. The angel is fixed because he has lost the capability of attributing sense to the events of the past; the only possibile escape is not offered by a projection towards the future, but by utter estrangement from his own world, and deep nostalgia for a reality that can but be attained as unreal. In this respect we can understand why Benjamin considers the massive use of quotations in modern art as both the sign of nostalgia for and erasure of the past, since the act itself of retrieving history, by means of selected fragments of it, actually undermines its aura. 

FORTUNATI, Vita.  "Utopia and Melancholy: an intriguing and secret relationship". In Revista Morus: utopia e renascimento. nº 2, 2005. p. 149 e 150.

5 comentários:

Lívio disse...

Belo trabalho intertextual, Bruna.

Bruna Caixeta disse...

Lívio,

também achei o artigo da Vita um belo trabalho intertextual.

Abraços.

Ana Amélia disse...

Bruninha!

Fez boa viagem, bem? hehe.. espero que sim. Aproveite e curta muuuiito sua família, e volte para nós, renovada e feliz! :) Eu já comentei contigo como gostei do seu post, né? Suas palavras sobre Utopia e Melancolia estão muito bem colocadas, de forma clara, que até mesmo seres totalmente leigos, como eu, conseguem acompanhar. Mais uma vez seu blog me proporciona momentos de prazer e distração no meio da ventania que é minha vida. Essa metáfora encontrei hoje, ao som do Pouca Vogal ("dupla" de rock gaúcho, hehe). Bruninha, uma linda e abençoada Páscoa para você. Já tenho saudades.

Beijos, Anita.

Bruna Caixeta disse...

Anita!

Estou de volta para casa. Oba!
Muito obrigada pelos carinhosos e atenciosos votos de "Feliz Páscoa".
Saiba que desejo o mesmo para você, na esperança também de vê-la feliz junto aos gauchos - tchê!

É sempre bom ouvir que o "Brumas" lhe proporciona momentos de prazer. Obrigada sempre pela sua presença.

Em tempo: a expressão "em meio à ventania que é minha vida" é bem bacana. Esta aí o Pouca Vogal.

Grande abraço, mon chéri (é assim?)
Até breve.

Bruna Caixeta disse...

Anita, estou na época de dar bobeira. Só com você minha cota já está esgotada. Quando não é com o inglês é com o francês!..Sem falar de outras no blogue...
Ainda bem que corrigiu o meu "mon chéri". [Risos e mais risos] Quem mandou querer falar algo que não sabe!
Desculpa-me a bobeira.
Abraços.