terça-feira, 23 de agosto de 2016

(Em) toda beleza que há








O canto de Dona Sinhá (Toda Beleza que há)
Maria Bethânia 

(nas vozes de Caetano Veloso e Maria Bethânia)


A manhã chega, chega, chega
Por onde anda você?
Foi pra bem longe
Pra nunca mais me ver
Mas onde anda
Onde anda você?
Olho a estrada e às vezes
A manhã me vê chegar
Vive a me buscar
Todos os dias
Mas sei por onde anda
Vive a me buscar
Nos lírios, cachoeiras
Nas correntezas do Garça
No verde da aroeira
No canto de Dona Sinhá
Mas sei por onde anda
Vive a me buscar
No ipê-amarelo da serra
Em tudo você está
Na flor de laranjeira
Em toda beleza que há


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                    Sobre a canção: daquelas letras bonitas de tão perfeitamente poéticas,
                    e daqueles duetos consoantes, de tão perfeitamente coincidentes, que ocorre entre irmãos
                    - Caetano e Maria Bethânia.


                A letra é um lamento sem ser lamentoso - ou, simplesmente, trata de um lamento, sem lamentos e lamentar.
                    É um canto sobre o desejo de se descobrir aonde se encontra a pessoa amada, fugida para bem longe, por não mais querer ficar com o seu amante.
                Figura a expressão do desejo de um amante em saber onde se encontra a pessoa amada, uma vez que que saber onde ela está, e por onde sempre anda, o seu amante já sabe: o seu amor está em tudo que há beleza.
                 A certeza de amante sabe que é/será certo sempre, que nas coisas belas encontrará o seu amor, mas não com o seu amor - um "encontro" não é o mesmo que uma "presença" (ou, mais exatamente, o vislumbre de um amante).
                   O canto é um cantar sobre a busca do amado, que, projetado pelo amante de modo fictício em busca recíproca por ele, surge (quase etereamente), apenas quando as belezas das coisas convocam o pobre amante.
              A manhã é o que revela a beleza das coisas, e, conseguintemente, a presença do amor; ambos, para o amante. Ela chega, pontualmente, sempre, para o amante; e, é, permanentemente, o instante que lhe traz o desconsolo: não saber onde se encontrará o seu amor. Mas a manhã é também, para o fugaz indolor consolo amante, o seu júbilo: a que lhe dá as coisas belas que revelam a presença do amor.
              Sendo a manhã a responsável por trazer o amor, o amante vive a buscá-la, e projeta-a, igualmente de modo fictício, buscando-o reciprocamente, com a intenção de simular (e viver) a busca de seu amado por ele, amante.
                  A totalidade do canto resume-se às puras projeções de um amante. O encontro do amante com o amado não vem a se dar - e, dentro do raio espacial da canção, nunca se dará -, o amado permanecerá sempre, somente em toda a beleza que há.
                   E toda a beleza que há é o que resta; é o verso final.
                  É o desfecho belo de um encontro não encontrado entre amante e amado, mas, mais bela e poeticamente, a realização do encontro de um amante - agora já não apenas do amor, mas (e, talvez, sobretudo) da beleza - com o belo, com toda a beleza que há.

                   No ipê-amarelo da serra
                  Em tudo você está
                  Na flor de laranjeira
                  Em toda beleza que há

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