terça-feira, 22 de setembro de 2015

A história de "O Pequeno Príncipe"

   
             

            A história do popular livro de Antoine de Saint- Exupéry, O Pequeno Príncipe, é minha conhecida da adolescência. Publicada nos Estados Unidos em 1943, originalmente em francês, com o título de Le Petit Prince, eu a leria pela primeira vez tardiamente, em torno de 2006 e, já na primeira leitura, ficado a gostar muito do enredo. 
         Algo que, desde o início, encarei como evidente, impelida pelo enredo do livro, foi que Saint-Exupéry traz por trás de um enredo muito simples - simples a ponto de seu livro ser classificado preferencialmente de um livro infantil -, vários tópicos sérios sobre a vida humana. Para a minha leitura, a história do livro afigura-se como a história daquilo que nós, ao ir transpondo as fases da vida: a da infância, adolescência e adulta, costumeiramente estamos sujeitos a perder ou manter. É O Pequeno Príncipe, sobretudo, a história do que deveria ser mantido, e, principalmente mantido em constante cultivo, por nós, por toda a vida. 
            O enredo da história é exposto de forma clara. Poderíamos resumi-lo a partir de um confronto de universos diferentes, que já no início da história é exposto: aquele do universo em que vive o adulto e aquele outro em que habita o pequeno príncipe. O universo do adulto é aquele que debocha da atitude mais ingênua para com o mundo. Seu membro aparece em figura embrutecida e insensível: não consegue dar sentido para as ilustrações de uma criança e zomba das preocupações mais genuínas, e da atenção às coisas mais simples, como por exemplo aquela manifesta pela criança, de se ter um animal com as proporções de tamanho cabíveis em seu pequeno planeta. Já o principezinho é-nos apresentado por alguém que habita um planeta de seu tamanho, e nele vive a cuidar de uma única rosa, a podar raízes impertinentes de baobás que teimam em tentar tomar o espaço e a conversar com uma raposa. É uma das imagens da vida mais simples e suficiente que se pode conceber - tão simples que chega a ponto de nossas mentes pragmáticas exigirem mais sentido, ocupação e diversão para ela. 
            Os dois ímpares universos confrontados vêm mostrar dois mundos diversos e com interesses e verdades diferentes, e se nota, sem dificuldade, que o planeta do pequeno príncipe tem muito o que comunicar ao do adulto. Ele  simboliza: a importância da dedicação à construção de um universo particular - imagem da habitação em planeta de tamanho que basta um ser humano, onde só um habita; a importância de se ter a quem voltar as ações no mundo, isto é, se ter uma orientação - a imagem do necessário cuidado diário com a rosa; a importância de um trabalho (árduo) constante para a manutenção da ordem de seu pequeno planeta - a imagem da poda dos baobás; a importância de se cultivar os laços, os relacionamentos, com as pessoas com as quais se convive (aqui admitindo essa palavra no seu sentido mais puro de "viver junto"), ou seja, as pessoas que dividem com você sua existência, em um termo: os amigos (no seu sentido lato: esposas, filhos, familiares, colegas...) - a imagem da relação com a raposa.  
                Parece, então, restar latejante que, em sentido último, O Pequeno Príncipe versa sobre o cultivar. Cultivar o próprio mundo; cultivar uma orientação para a vida; cultivar a ordem de seu mundo; cultivar as relações pessoais. É um livro cuja história clama pelo cuidado. Cultivar e cuidar são as ações de vida por excelência do pequeno príncipe - e também, não poderia ser de forma diferente, as ações para as quais são exortados os leitores de sua história. Através dessas imagens simples, se desenha uma narrativa com um conteúdo substancial do que essencialmente deveria ser mantido em cuidado constante pelas pessoas para uma vida, em percurso que as sujeitará a certas perdas em sua jornada.
          Neste sentido, aquela velha afirmação de que O Pequeno Príncipe é uma história banal e pobre sobre "cativar amigos", pede reconsideração, reconsideração inclusive da tradução do termo "cativar". É, em essência, e sobretudo, sobre cultivar e cuidar, e não, cativar a história do pequeno príncipe, com seu planeta, sua rosa e sua raposa. 
            Nesse sentido, é bem justa a colocação recentemente feita pela tradutora Denise Bottmann, no blogue que ela criou para narrar seu processo de tradução do livro, sobre a tradução da palavra original apprivoiser por "cativar". Talvez fosse hora de eternizar a mais famosa frase do livro: Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé, com uma palavra que guardasse mais precisamente a noção do termo escolhido pelo autor em sua versão original: o termo apprivoiser, em francês algo como "domesticar", "domar", sentidos que julgo muito próximos da palavra "cultivar", então tida por mim como o termo central do sentido total do livro. Somos (e seremos) eternamente responsáveis por aquilo que cultivamos. Seria mais exatamente esse o sentido da frase e do livro de Antoine de Saint- Exupéry.
           Na dimensão de uma responsabilidade, e não na forma mais fácil de cativação, se assume a história. Revela-se que seu enredo é dotado de maior complexidade e conteúdo, e, deste modo, O Pequeno Príncipe pode ser admitido como um livro mais grandioso do que se afigura à leitura que tem se perpetuado sobre ele. A historinha narrada acompanhada de poucas figuras acaba por se mostrar uma grande história sobre importante questão de responsabilidade humana para a vida toda: o cuidado.

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