segunda-feira, 11 de março de 2013

Lugares imaginários

    Falar do País Imaginário é sempre mais ou menos fazer um convite à viagem e ao devaneio: "à la douceur/ d'aller là-bas vivre ensemble" (à doçura/ de ir para lá viver juntos). Aproximação duplamente justificável, pois, como no poema de Baudelaire, ao retornar do País Imaginário, temos a impressão de não ter deixado o próprio quarto. Procurar sua Icária é fazer uma viagem às profundezas de seu próprio cérebro, encontrar o lugar obscuro, anterior às mais antigas lembranças, em que "tout y parlerait/ À l'âme en secret/ Sa douce langue natale" (Tudo falaria/ À alma em segredo/ Sua doce língua natal). Com efeito, a viagem ao País Imaginário adota frequentemente a forma de um retorno ao país natal, e não sabemos se, para ir até lá, convém pegar a fragata de um novo Colombo, o carro imantado de Cyrano ou a máquina para voltar no tempo. O espaço interior tem a particularidade de só poder ser percebido sob a forma de uma duração: é um espaço-tempo povoado de rios-anos, horizontes-lembranças e de céus em forma de dias vindouros.
    Poderemos distinguir várias etapas nessa viagem que equivale também a recuar através das camadas acumuladas da consciência adquirida.
    O País das Maravilhas é o recuo a um tempo - e, por isso, viagem a um país - livre das restrições geradas pelas leis físicas. A Wonderland possui outra física: nela, a força da gravidade não é generalizada. Um não é necessariamente igual a Um e a individualidade biológica não tem sentido. Por isso a metamorfose é regra no País das Maravilhas, que tem no mago e na fada seus príncipes e governadores. O mago é o oposto do professor: ele abraça uma ciência que, por definição, está localizada fora da ciência; mas ele é também uma projeção do professor: a varinha de condão tem todas os poderes da vareta do professor e mais outros; as palavras mágicas têm o poder de uma fórmula química e de mais outras. O País das Maravilhas, que é a escola das imaginações indisciplinadas, é também a projeção da estrutura escolar: o doutor Milagre ou o professor Girassol fazem o papel de mestres sábios, prestigiosos e bufões para um auditório que conserva nesse "outro mundo" algo de travesso e de admirativo, como uma classe de crianças. Do País das Maravilhas retenhamos, sobretudo, essa contradição interna que faz dele um mundo ao contrário, que é também a imagem do mundo. Nós a encontraremos em quase todos os países imaginários.
    O País das Quimeras acrescenta um elemento afetivo às construções puramente imaginativas do País das Maravilhas. Ele é povoado "de seres segundo manda o coração" e modelado segundo os desejos profundos de uma imaginação que reconstrói a melhor das vidas a partir de uma vagabundagem sentimental, de sentimentos vividos, extintos ou não realizados. Corpos brancos de mulheres apaixonadas, escravos que aprofundam o segredo dos langores, doçura das palmeiras e dos céus, o mundo inteiro zela maternalmente pelo viajante dado à praia, envia-lhe o eco de seus desejos satisfeitos e de seus sonhos realizados. O País das Quimeras é produto de um sonho narcísico no qual o sonhador vê sua própria imagem, despojada de suas tristezas, em meio a uma natureza e a uma sociedade acolhedoras.
    A arcádia e suas variantes - idades do ouro, tebaidas, cenário de pastorais - exprimem o retorno a um tempo livre de imperativos sociais. A arcádia é um país onde o indivíduo é rei e onde as relações se dão em uma absoluta transparência, no ritmo lento de uma vida que se esforça para harmonizar-se com a vida natural e cósmica. A arcádia faz do desejo individual uma lei social, supondo mais ou menos conscientemente a bondade natural dos homens. A divisa de Thélème "faça o que quiser" é, nesse sentido, muito mais árcade do que utópica. A arcádia é o retorno à natureza: uma natureza que não foi prejudicada pela criação das cidades e que dá origem a uma vida que as atividades comerciais e industriais inexistem. No sentido econômico do termo, é um "retorno à terra" com tudo o que isso supõe de frugalidade, de simplicidade: será o sonho constante de certo tipo de pensamento protestante que vai de Pierre Viret a Jean-Jacques Rousseau e o leitmotiv de uma literatura que, de Olivier de Serres aos fisiocratas, preconiza as virtudes econômicas e morais da agricultura.
    A utopia vai ao encontro desse individualismo pré-social: é o sonho de um cidadão descontente com sua cidade, que não escolhe por paraíso de seus sonhos o que se opõe à cidade - paraísos artificiais ou campos árcades - mas outra cidade, organizada de outra maneira. É um sonho de integração do indivíduo à sociedade, mas uma sociedade que foi previamente aprisionada. Por supor a integração do indivíduo a uma comunidade, podemos duvidar do caráter regressivo da utopia. A utopia supõe um futuro que tem por único defeito - ele é, no entanto, essencial - ser uma concepção teórica que não leva em conta a realidade dos fatos.
    Se a viagem ao país imaginário é também uma viagem em um tempo anterior ou exterior ao presente, é evidente que o emprego das técnicas modernas de interpretação dos sonhos se justifica perfeitamente para interpretar uma literatura fundada no sonho. Poderíamos então tentar um ensaio de interpretação psicanalítica. A arcádia e o País das Quimeras podem expressar um desejo regressivo de retorno ao seio materno, simbolizado pelos conceitos femininos de terra ou de natureza. O País das Maravilhas e a utopia expressariam principalmente um desejo de identificação paterno: nas estruturas mentais da civilização da Europa ocidental, os termos ligados à ciência e à sociedade são, sem sombra de dúvida, símbolos masculinos. Mas trata-se de um esforço de identificação falho que procede por meios enganadores: como o utopista não pode alcançar a imagem paterna, ele a adapta, a abranda, a redimensiona, recriando uma ciência ou uma sociedade segundo a medida dos seus desejos. A atitude do utopista exprime assim uma veleidade de adaptação, mas também um fracasso na adaptação que o conduz a conformar o mundo aos seus desejos ao invés de adaptar-se ao mundo. 

DUBOIS, Claude-Gilbert. Problemas da utopia. Trad. Ana Cláudia Romano Ribeiro. Campinas: UNICAMP-IEL-Setor de Publicações, 2009. (Coleção Work in Progress), pp. 15-19.

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