segunda-feira, 4 de março de 2013

Entrevista com Regina Duarte

    Outro dia, lendo a Bravo!, pude conferir uma entrevista com a atriz Regina Duarte. Não a conhecia senão pela fama de "namoradinha do Brasil" e alguma ou outra aparição na TV. Na época do auge da sua carreira, não prestigiei suas memoráveis personagens, pois eu ainda nem sequer sabia o que era novela direito - e, como nos dias atuais, estava longe de me interessar pela atração. 
   Além disso, para mim também era desconhecido o "suicídio via satélite" (termo de Armando Antenore, o entrevistador da Bravo!) que Regina cometeu, no ano 2002, quando, no horário eleitoral, foi à TV e afirmou ter medo de Lula assumir a presidência, dizendo frases como esta: "Sinto que o país corre o risco de perder toda a estabilidade conquistada". 
   Certamente, esse partidarismo manifesto rendeu-lhe muitas antipatias, sobretudo de parte do seu público de esquerda da televisão. E, também por causa desse fato, o reconhecimento das suas atuações começou a se denegrir - o que me pareceu, por alguma ou outra nota desse entrevistador, e lendo outras matérias. Esperado, a crítica se tornou mais severa e menos imparcial ao avaliar o trabalho da atriz Regina Duarte. Insensato da parte deles? Sim, se pensarmos que vendaram um julgamento inteiro por um detalhe que nem sequer ressoa essencialmente nas atuações televisivas e/ou no desempenho das artes de uma forma geral. No entanto, um procedimento natural, pois igualmente não razoável foi atitude dela como atriz de ir em público manifestar seus receios quanto à candidatura do ex-presidente. [Sem entrar na questão do direito e liberdade de qualquer pessoa manifestar opções políticas, limito-me a pensar nas consequências dessa atitude para uma atriz].
    No entanto, deixando estas questões sobre o partidarismo de Regina Duarte de lado, assim como ela tem optado fazer nas suas entrevistas atuais, li a entrevista que concedeu à Bravo!. E, me surpreendi com uma entrevista muito agradável, de uma pessoa bem humorada, desenvolta, sincera, otimista e brincalhona. Não só por isso, mas pela entrevista ter acontecido sem um script prévio, na espontaneidade gostosa de falar e omitir o que quiser, achei-a aprazível. Na verdade, conta Armando Antenore, que uma assessora da atriz telefonou-lhe pedindo a entrevista e prometendo que a Regina falaria sobre política. Todavia, chegando ao apartamento da atriz, onde ocorreu a conversa, ele se surpreendeu, pois era justamente sobre esse assunto que ela não falaria ("Tem assessor que promete mundos e fundos para cavar espaço nas boas publicações. Ninguém me avisou que você só se interessaria por política"). Com um script todo preparado para perguntas sobre política, Antenore teve que se abdicar dele e deixar que as perguntas surgissem. E surgiram, como as respostas da Regina Duarte. O resultado parcial, coloco abaixo, já a entrevista na íntegra pode ser acessada por aqui: 
http://bravonline.abril.com.br/materia/regina-duarte#image=186-td-regina-duarte-1

___________________________

[...]
 Sorridente, mas enfática, negou que pretendesse se aventurar pelo tema.

– Houve algum engano. Não me sinto nada confortável em pisar num terreno desses. Para que cutucar o touro com vara curta? Por que desenterrar defunto? Quem lucraria? Você? A BRAVO!? Eu certamente não! Prefiro manter o episódio engavetado, fechadinho no baú das minhas mais caras memórias.

– Não mesmo? E agora?
[...]

Sem responder, a atriz se levantou da mesa e caminhou até um móvel próximo, em que amontoava um bocado de papéis. Vasculhou-os ligeiramente e retornou com um pedaço de jornal. 


Mostrou-me, afinal, o recorte que segurava.

– Veja o que o Daniel Day-Lewis declarou: “Não sou maluco!” Que maravilha, hein? Identifico-me demais com o tipo de loucura que lhe atribuem.

Na reportagem da Folha de S.Paulo, o inglês descreve o método que utilizou para protagonizar o filme Lincoln, recém-lançado e dirigido por Steven Spielberg. O ator não apenas emagreceu e deixou a barba crescer. Ele também passou uma temporada assinando mensagens particulares com as iniciais do personagem-título, o presidente norte-americano Abraham Lincoln. “No entanto, continuo lúcido. Não enlouqueci”, frisou.

– O Daniel ganhou a fama de doido por se jogar nos papéis, em busca da perfeição. O cara recusa um padrão de conduta, um jeito corriqueiro de lidar com a profissão e trilha caminhos diferentes. Considero isso uma coisa extraordinária! Eu mesma só não sou mais louca porque... Não dá, né? Homem pode pirar o quanto quiser. Já mulher...

– Como assim?

– Mulher dificilmente consegue se isolar durante meses para escrever um livro ou algo que o valha. Fica presa à família. Quando ousa uma imersão, precisa rodar dez pratos simultaneamente: cuidar dos filhos a distância, do marido, da casa, dos amigos, do mundo. Está com a cabeça o tempo inteiro dividida. Aliás, em termos artísticos, nunca me classificaram de maluca. Mas no que se refere à minha vida pessoal... Casei-me cinco vezes e, sempre que me separei, ouvi de alguém: “Ele, o ex, disse que você é doida”. Existe modo mais fácil de desarticular o outro, de fragilizá-lo? Teve uma época em que as mães, as donas de casa vestiam tailleur. Eu, ao contrário, seguia trajando umas saionas completamente fora de moda. Valorizava ainda a comodidade do figurino hippie. Não me apertava em cinturinhas, em modelinhos. E como as pessoas reagiam? Com gracejos do tipo: “Lá vai a louca da Regina”.

– Você se casou cinco vezes?!

– Pois é... Casar no cartório, somente a primeira vez, em dezembro de 1968. Tinha 21 anos. Com os demais maridos, preferi apenas compartilhar o mesmo teto. Pertenço a uma geração que cultuava o amor romântico e se educou para atender aos impulsos das paixões, um negócio perigoso quando se trata de casamento. Na paixão, não enxergamos direito o parceiro. Nós o idealizamos, o nublamos. Uma hora, a névoa se esvai, e a gente percebe que está morando com um estranho. Na realidade, me arrependo dessas tantas uniões. Gostaria de ter me casado uma única vez. As separações traumatizam muito, provocam dores imensas, frustrações, principalmente se há filhos na parada. Invejo os casais que conseguiram atravessar a vida juntos... Conheço alguns, que me parecem bem. Caso pudesse reescrever meu percurso, tentaria compreender melhor o processo da paixão, para fazer escolhas mais... Nem sei que palavra empregar...

– E como mãe, você se arrepende do quê?

– Olha, passei longe de ser a supermãe. Aquela do manual, já escutou falar? Que se mostra absolutamente disponível e se posta à distância de um grito: “Mããããe!” Eu me encontrava quase sempre à distância de uma ponte aérea. Dos meus três filhos, nenhum possuía colegas com uma mãe tão...

– Inconstante?

– Tão fora de esquadro. Uma mulher que não estava no manual nem no gibi. Culpa, culpa, culpa! O tempo todo driblando a culpa. Mesmo agora, arrasto uma porção de culpas. Se um dos meus filhos enfrenta dificuldades, penso: “É porque você, Regina, não lhe ofereceu o apoio necessário lá atrás, quando deveria”.

– Que tipo de apoio? Cite um exemplo.

– Não vou abrir minhas relações familiares assim... Mencionarei apenas uma bobagenzinha. Falo um pouco de francês. Aprendi o idioma no colégio e podia tê-lo ensinado para meus filhos em vez de me distrair tanto com a novela A ou B. Faltou tempo, entende? Aquela espécie de tempo que gera uma intimidade maior entre pais e filhos. Faltou conversar mais, responder mais perguntas, afastar certas inseguranças deles – funções que as babás e as professoras acabaram desempenhando. Em suma: não me ressinto de nada que deixei de fazer na profissão por causa da família. Mas me ressinto muito do que deixei de fazer na família por causa da profissão.

– Você se sai melhor como avó?

– Gosto da avó que sou. Mas, de novo, passo longe da avó-modelo, padrão dona Benta, que se ajeita na cadeira de balanço e conta histórias, que prepara bolinhos, disponibilíssima, culta, inteligente...

– E assexuada.

– Exato!, gargalha. Já imaginou se a dona Benta aderisse à reposição hormonal? Iria pular rapidinho daquela cadeira de balanço! O fato é que ainda me envolvo bastante com a profissão. Por isso, meus três netos não me veem a toda hora. Sem contar que também mantenho uma casa no Rio de Janeiro e outra em Barretos (SP), onde mora meu atual marido, um pecuarista. De qualquer maneira, deslizes à parte, ser mãe e avó me agrada demais. Estaria bem infeliz se tivesse somente a profissão. Deus me livre! Lógico que me orgulho do que conquistei como atriz. Mas a carreira passa. Converte-se em fotos, vídeos, troféus, cartas, exposições. Transforma-se num adereço, num animal empalhado. Os filhos e os netos, não. Com eles, a história continua. Permanece viva. Sempre encarei o sucesso como algo superficial. Nunca me deslumbrei. Nunca! E sabe por quê? Por causa da minha formação. Jovenzinha, trabalhei sob a batuta do Antunes Filho e de outros diretores que acreditam no ator santo. Segundo eles, não existe a “figura pública do ator”, o “ego do ator”. Nada disso! A função do ator é se valer da arte para aperfeiçoar a sociedade e ponto final.

– Já que adentramos a seara dos arrependimentos, quais os que você amarga na profissão?

– Puxa, que difícil... Vamos lá: me arrependo de ter feito poucos filmes e de não ter cultivado uma patota de cinema. Arrependo-me de não conseguir trabalhar e papear mais com gente que admiro e de quem a correria me afastou. O Miro e o Luiz Tripolli (fotógrafos), o Newton Mesquita (pintor e cenógrafo), a Marika Gidali (coreógrafa), a Leilah Assumpção e a Marta Góes (dramaturgas), o Fernando Vieira (ator e mímico), o José Possi Neto (diretor)... Também me arrependo de não batalhar o suficiente pela união de minha categoria, como lutaram Cacilda Becker e Ruth Escobar. O que mais? Lamento ter interpretado meus personagens de modo tão óbvio, tão exagerado. Agi assim por instinto e por influência de inúmeras atrizes que me antecederam. Mas houve igualmente uma avaliação equivocada e preconceituosa de minha parte. O aparelho de televisão não passa de uma utilidade doméstica, certo? Quando aparecem ali, os atores competem com o jantar no fogo, a água do café fervendo, o berreiro da criançada, o bater dos talheres. Não à toa, intuí desde cedo que deveria “gritar” para me fazer compreender e atrair a atenção dos telespectadores. Duvidei deles, percebe? Do discernimento que pudessem ter. Resultado: enveredei pela hiperatuação. Tornei-me “a atriz das caras e bocas”, como me chamam na internet. Um horror! Não bastasse, tal opção acabou contaminando meus papéis no teatro e – pior – no cinema. Hoje me pergunto: se minhas atuações fossem mais contidas, meu público seria mais “seleto”? Outra pergunta: desejo, por acaso, um público mais “seleto”?

– Você descobriu as respostas?

– Não! Mas lhe dou o resumo da ópera: me arrependo de não virar a Mulher Maravilha que meu Ego Ambicioso e Vaidoso (bote tudo com maiúsculas, s’il vous plaît) almeja!

– Boa parte da crítica rejeitou a peça Raimunda, Raimunda, que você dirige e protagoniza. Doeu?

– Doeu, doeu muito. Aborreci-me por uns dias, mas depois superei. Claro que, às vezes, me ocorrem umas elucubrações do gênero: minha imagem pública adquiriu um peso tão inconveniente que acabou obstruindo, atrapalhando o olhar dos críticos. Logo, porém, descarto a hipótese. Não pretendo colocar em dúvida a isenção dos jornalistas nem subestimar a inteligência da imprensa. Terrível, destruidor, arrasador seria se a plateia não prestigiasse o espetáculo, se não morresse de rir, se não aplaudisse em cena aberta como vem aplaudindo. Fico enormemente realizada quando minha paixão por um projeto resulta no prazer dos espectadores.

– Paixão? Mas você mesma não desqualificou a paixão agora há pouco?

– Peraí! Vamos devagar! A paixão é maravilhosa, inebriante, desafiadora, sim. Só que não dura. Eis o problema de basear as relações conjugais nela. Por um lado, desejamos o “felizes para sempre” e, por outro, o passional. Numa única tacada, reivindicamos o perene e o fugaz. Qual a chance de a equação funcionar? Já a televisão, o cinema e o teatro combinam bem com a paixão porque novelas, filmes e peças têm prazo de validade. Cedo ou tarde, a ligação entre ator e personagem acaba. O timing que os norteia não destoa do timing inerente à paixão.

– Você está querendo me dizer que se apaixona pelos personagens?

– Estou. Preciso da paixão para conseguir entrar no personagem. Do contrário, nada acontece. Toda vez que aceito um papel, busco acessar o passional em mim e viro advogada, promoter do personagem. Mais ou menos como quando me apaixono por alguém.

– E se não pintar química? E se o santo não bater com o do personagem?

– Arrumo um jeito de pintar. Por exemplo: procuro inspiração em figuras célebres que lembram o personagem ou me deixo fascinar pelo figurino dele.

– Nunca falha?

– Confio no processo. Sou naturalmente positiva. Herdei o otimismo dos meus pais – um militar reformado, cearense, e uma professora de piano, gaúcha. Eles me criaram para o “sim”, para agradar, obedecer, sonhar. Você não vai acreditar, mas só caí na real, só percebi que o mundo não é cor-de-rosa há uns dez anos. Aquele papo de “namoradinha do Brasil” condizia integralmente com meu lado crédulo. Emprestei muito de mim à “namoradinha”.

– O que ocorreu há dez anos para tirá-la do “transe”?

– Experimentei a “síndrome do ninho vazio”. Meus filhos saíram de casa. Cresceram. Foi um choque de realidade imenso, um impacto, uma perda esquisita... Eu necessitava de mais tempo com os três, justamente em razão do que lhe contei sobre minhas ausências como mãe.

– Seu otimismo influenciou as escolhas políticas que você fez no decorrer da vida?

– Voltamos à política? Já lhe disse: não vou falar sobre o assunto.

– Responda apenas o seguinte: você se considera de esquerda ou de direita, progressista ou conservadora?

– Não me preocupo com rótulos. Sempre me entusiasmei por pessoas, por candidatos que me pareceram responsáveis. O Mário Covas, o Fernando Henrique... Mas nunca ingressei em partido nenhum.

– Você não é tucana?

– Não sou! Não me tache de tucana, vai!, pede, gentil. Posso, agora, inverter as bolas e lhe perguntar um negócio? Existe mesmo o off, aquela história de o jornalista desligar o gravador para o entrevistado confidenciar algo que não gostaria de tornar público?

– Existe.

– Então desligue o gravador. Vou lhe explicar umas coisas sobre política.
Desliguei.

5 comentários:

Manoel Almeida disse...

"Instabilidade conquistada"? Isso foi praga do Lula! ..rs. Deliciosa a entrevista, Bruna, por todos os méritos que você mencionou. Mas é difícil não associar o trabalho da atriz e sua (infeliz) atuação na política. Afinal, foi ela quem começou a confundir as coisas, não é? Grandioso abraço.

Bruna Caixeta disse...

Oi, Manoel!
Eu questionaria a Regina, após o governo Lula: "E a estabilidade conquistada?" [Risos].

Sim, de fato é difícil não associar o trabalho dela às suas declarações políticas. Eu mesma quando comecei a ler a introdução da entrevista, em que o Antenore menciona a personalidade política dela, já entrei no texto com uma pulga gorda atrás da orelha. Mas, como a conversa seguiu por outros lados, os quais acabaram por mostrar a pertinência da visão dela sobre a profissão, o papel do ator, ser mãe, ser avó, conciliar trabalho e família, acabei por esquecer momentaneamente os delizes da atriz e atendê-la num momento de falas felizes. Otimista incorrigível como teimo em ser, ainda saí do texto pensando: quem sabe ela agora tenha uma visão diferente do governo Lula?! [Risos].

Obrigada pela visita e pelo comentário.

Abração.

Bruna Caixeta disse...

Manoel, em tempo: "instabilidade" deve ser trocado por "estabilidade" no texto. Digitei errado ("praga do Lula!) [risos]. Desculpa-me a falha, leitores e Regina.

Nélio Lobo disse...

Bruna, o linque abaixo é pra você, que ainda não havia assistido. Fico imaginando quanto foi o cachê para a Regina se prestar a esse papel. Dá medo... ver como o dinheiro transforma as pessoas.

http://www.youtube.com/watch?v=EeH3uUqF5b4

Afetuoso abraço!

Bruna Caixeta disse...

A minha impressão do vídeo: garota propaganda do Serra!

Muito obrigada por ter compartilhado o vídeo, Manoel. Agora tive mais noção do tipo de partidarismo da Regina Duarte.

Abração!