terça-feira, 26 de março de 2013

클래식 "The Classic"



    
    Parece constituir-se um desafio para o mundo das artes abordar o romantismo sem as conhecidas e melodramáticas cenas de paixão entre amantes. Em vários filmes, espetáculos teatrais e livros nota-se que houve escolhas por recursos outros que não os das paixões proibidas, da morte para impedir o amante do pior, dos demorados e arrebatados olhares trocados, das cartas e flores compartilhadas, das tempestades naturais favorecendo a união, das guerras separando-a, entre outros motes. 
    Todavia, a fuga do tipicamente romântico também não parece um imperativo. No cinema, grandes cineastas, como Bergman (no "Juventude", por exemplo), recorreram ao retrato do universo dos apaixonados sem abdicar dos fatalismos. 
    Kwak Jae-yong, diretor de cinema coreano, também pode ser incluído entre esses cineastas que não deixaram de optar pelo lugar-comum dos enredos românticos. No seu filme "The Classic" (클래식, South Korea, 2003), todos os motes listados acima são abordados e sem abdicar do melodrama. No entanto, no início da sua película, surge uma questão relevante, que acaba servindo, a nós espectadores, como advertência para as cenas melodramáticas apresentadas em seguida. Não seriam elas clichês? Quem propõe a interrogação é a protagonista Ji-hye (Son Ye-jin), ao ler uma das numerosas e açucaradas cartas de amor trocadas por sua mãe e o amante desta no passado, e cujo conteúdo renderá quase a totalidade das cenas (tipicamente românticas) do filme. Ao que tudo indicará, para Ji-hye e nós espectadores, o clichê das cenas nada mais será que situações possíveis de acontecer no cotidiano dos apaixonados, logicamente possíveis na realidade amorosa e sentimental, e portanto, mais além de afigurarem-se simplesmente clichês, as situações melodramáticas entre os apaixonados serão clássicas - para assumir o mesmo termo do título do filme.
     O enredo do filme e essa discussão que vem assegurar o clássico acima do clichê não deixam de remeter-nos ao pai da mais famosa história de amor do Ocidente, William Shakespeare.  Quando esse sério perscrutador da alma humana escreveu o famoso drama "Romeu e Julieta", no qual também há a reunião desses motes citados acima, indubitavelmente, entre tantas temáticas de viés político-social, escreveu intencionalmente um drama romântico, fiel aos sentimentos e obstáculos presentes na relação dos apaixonados Romeu e Julieta.  E não à toa, a estória atravessa gerações e foi canonizada. É clássica.
    Caberia então questionar: o que é o clássico e por que permance? E qual a diferença entre clássico e clichê, já que os dois insistem na repetição de algo? Numa definição pessoal, arriscaria a dizer que o clássico é o que tem compromisso com o retrato fiel da condição humana (o que não implica cópia do real-material-físico); isto é, compromisso com as emoções e situações que fazem parte da nossa realidade diariamente. Não importa o meio adotado para representar isso nas artes, a opção pela condição humana será o diferencial que resultará no valor e perenidade das obras. Já o clichê, definiria como um retrato viciado dos homens; é o que apenas se detém na repetição da moldura e não da essência. Portanto, por definição, o clássico pode ser clichê e o clichê não pode ser clássico. 
    Definido por esses termos, o filme de Kwak Je-yong, ainda que tenha encenado o clichê, dessa forma limitada não se caracteriza, pois seu enredo repousou no clássico, no permanente, na fidelidade do que realmente ocorre, ou é possível ocorrer aos amantes. 
    Se os olhos dos espectadores e leitores já andam cansados dos melodramas, não devem precipitada e taxativamente classificar cenas românticas de clichês. Nas suas mesmices e furtos de longos suspiros e lágrimas, há aquelas que continuarão a se comunicar com as nossas emoções, sobretudo vividas nos relacionamentos amorosos. Assim, não deve se decretar morte às abordagens melodramáticas como um todo, sobretudo neste longa coreano.
    Como a maioria dos bons filmes asiáticos, uma das fortes características do "The Classic"  são as sutilezas cinematográficas obtidas nos delicados gestos humanos e em elementos ligados ao campo, como as paisagens naturais, o vento, as águas, as flores e frutos usados para dialogar com qualquer sorte de conjunturas experienciada pelos personagens. É, finalmente, um filme, por ser classicamente fiel ao seu gênero, que faz enternecer, chorar e suspirar. 
    Dele, além desta presente discussão que suscitou, deixarei a bela canção 사랑하면 할수록 (If we are in love, then...), em três versões escritas, a primeira, romanizada (isto é, como se leem os ideogramas coreanos), a segunda, no original coreano, e a terceira, vertida para o inglês. 
    Que  a canção seja um convite ao filme!




hanchamdonganeul chajagaji anheun
jeo eondeok neomeo georien
oraejeon geu moseup geudaero neon
seoisseul geot gata.
nae gieok bodaneun oraedoebeorin yaegiji
neol bodeon naui geu moseup
ijeneun naega neol piharyeogo hana
eonjengaui neocheoreom~
ije neoege nan apeumirangeol
neoreul saranghamyeon halsurok
meolli tteonagadorok
seuchideut shiganui heureumsoge
ije jinagan gieogirago
tteonamyeo malhadeon neoege
shigani heulleo jinalsurok
neoreul saranghamyeon halsurok
neoege nan apeumieotdaneun geol
neoreul saranghamyeon halsurok

한참동안을 찾아가지 않은
언덕 너머 거리엔
오래전 모습 그대로
서있을 같아.
기억 보다는 오래되버린 얘 지  
보던 나의 모습
이제는 내가 피하려고 하나
언젠가의 너처럼~
이제 너에게 아픔이란걸
너를 사랑하면 할수록
멀리 떠나가도록
스치듯 시간의 흐름속에
이제 지나간 기억이라고
떠나며 말하던 너에게
시간이 흘러 지날수록
너를 사랑하면 할수록
너에게 아픔이었다는
너를 사랑하면 할수록
     In the street over the hill
     I haven’t been to in a while
     It felt that you’ll be standing exactly
    as you stood there a long time ago.
    A story that is older than my memory
    The way I looked when staring at you
    Am I now trying to avoid you,
    as you did then
    Now for you, that I am hurting,
    the more I love you
    To go far away,
    into the flow of time as if only brushing by
    Leaving me, you said it is
    a memory of the past, to you
    As the time flows by,
    the more that I love you
    That I was hurting for you,
    the more that I love you

6 comentários:

Lívio disse...

Poxa, Bruna, sua postagem é quase um ensaio. Gostei.

A discussão é muito válida. Tenho comigo que o que difere o clichê do não clichê (independentemente de ter se tornado clássico ou não) é o tratamento que se dá à temática.

Qualquer coisa pode se tornar um clichê; qualquer coisa pode não se tornar um clichê.

Por fim, sua postagem foi uma oportunidade de eu praticar meu coreano...

Bruna Caixeta disse...

Bacana saber que tenha gostado da postagem, Lívio. Confesso que a escrevi "correndo" depois de assistir ao filme, e ao terminá-la, incomodava-me o pensamento: "poderia ter posto tudo o que disse em outros termos; dizer de outra forma". Mas, vencida pela indisposição de redigir outro texto (altas horas da noite) e sem querer e poder voltar no texto nos dias seguintes, abandonei essa empresa, deixando tudo permanecer como surgiu na primeira e única vez da redação.

O que você diz da diferença de tratamento a temáticas ser o diferencial do clichê para o não-clichê, é fato. Agora o que mais me surpreende (e isso queria ter deixado mais evidente na postagem; tenho consciência que não deixei) é quando o não-clichê (ou ainda, o clássico) quase nos convence de ser clichê, isto é, quando a diferença entre os dois parece inexistir ou ser mínima - o que ocorre nesse filme coreano, e o que acho uma das direções mais difíceis de assumir, dada a opção pela permanência na retratação de um tema não só conhecido, como quase exaustivamente abordado por certo ângulo.

Fico com a sensação diante de obras como essas em que as coisas quase parecem as mesmas (isto é: não passam de clichês), que a discrição é tanta, que faz com que a alteração, substituição, inclusão de arranjos sejam tremendamente mestras, fazendo com que o espectador por vezes seja incapaz de notá-las, e por isso, muitas vezes, diferenciá-las do clichê.

Quanto à prática do coreano, que sons difícies de entender e falar não?! Já pedi para uma amiga desistir de me fazer falar corretamente os sons. Sou incapaz! [Risos]. É bem difícil. Aproveito a referência à amiga e agradeço a Chan pelo empréstimo do filme. Obrigada, Chan!

Por fim, agradeço você também, Lívio, pelo oportuno comentário.

Abraços.

Lívio disse...

Legal, Bruna, você ter comentado sobre essa tênue, quase inexistente linha que pode haver entre o clichê e o não clichê.

Se o artista faz isso deliberadamente, ou se domina essa "técnica", isso só aumenta o mérito dele.

Abraço.

Bruna Caixeta disse...

E bem interessante pensar no que você disse: se o artista obtém os efeitos deliberadamente ou dominando a técnica.

Obrigada pelas atentas observações, Lívio.

Abraços.

Nélio Lobo disse...

Olá, Bruna. Entendo que tudo pode ser clássico, inclusive os clichês, que passam por várias gerações sem perder a atualidade.

Grande abraço.

Bruna Caixeta disse...

Sim, é verdade, Manoel. No fim, os clichês, dada a sua permanência e atualidade, não serão outra coisa que não clássicos.

Para mim, já se tornou incômoda a recusa a tudo que é clichê ou clássico, principalmente no que diz respeito ao retrato das relações amorosas. Essa recusa, que não deixou de motivar produções excelentes e alternativas, reconheço, também não deixou de ser responsável pela morte à Beleza e valores que, na maior parte das vezes, vêm embutidos nos bons clichês românticos. Não estou querendo com essas palavras e as da postagem, levantar bandeira para o romantismo, mas simplesmente tentando esforçar-me para "proteger" que mais um elemento seja jogado no lixo pelo oblívio puramente iconoclasta da pós-modernidade.

Obrigada pelo seu comentário e visita, Manoel.

Grande abraço.