segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Gargalos travam ascensão social

   A dinâmica econômica brasileira promoveu um contingente considerável de trabalhadores “miseráveis” para a “baixa classe média”, mas pode, por outro lado, impedir que continuem escalando a pirâmide social: no mercado de trabalho atual, eles já teriam atingido o seu “cume”. Para assegurar um crescimento sustentável dos estratos superiores e a desejada melhoria de nível de vida é necessário reconstruir as estruturas ocupacionais, trazendo a indústria de transformação novamente como protagonista da economia. E uma indústria direcionada a atividades de maior intensidade tecnológica e diversificação, a fim de gerar mais demanda por serviços e empregos qualificados.
    Esta é a principal conclusão da pesquisa de mestrado de Leandro Horie, apresentada junto ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob a orientação do professor Waldir Quadros. “Como economista, tenho observado que desde 2004 houve um forte movimento de geração de postos de trabalho. O que me intrigava é que, apesar da melhoria de indicadores como do desemprego e da renda, o nível de precarização do mercado de trabalho ainda persiste, como a elevada taxa de rotatividade e da informalidade, ainda que esta última tenha caído. Além disso, a geração de emprego se concentrou em ocupações com rendimentos de até dois salários mínimos. Então, meu objetivo na dissertação foi tentar entender este movimento através das inter-relações entre estrutura setorial, ocupacional e política econômica no período”.
    No propósito de analisar a estratificação social no Brasil, Leandro Horie baseou-se na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE) nos anos de 1981 (que refletia o cenário econômico do período de 1930 a 1980, de grande crescimento, mas também de exclusão social); 1995 (de abertura econômica aliada ao primeiro ano do Plano Real, que significou o fim da aceleração da inflação); 2004 (de retomada do crescimento mais constante); e 2009, quando foi feito o último levantamento.
   Em relação à dinâmica ocupacional, o autor da dissertação optou por utilizar a estratificação por classes proposta pelo seu orientador Waldir Quadros: alta classe média, média classe média, baixa classe média, massa trabalhadora e miseráveis. “Cada estrato social deve necessariamente conter determinados tipos de ocupação, como por exemplo, de engenheiros, professores universitários e profissionais autônomos (médicos, dentistas, advogados) na alta classe média; e, na base, os trabalhadores não remunerados entre os miseráveis. Como existem muitas ocupações, este foi um método de agrupá-las”, justifica.

Declínio da indústria
    Leandro Horie explica que a indústria de transformação vem apresentando um declínio desde o início da década de 1980, quando faltou investimento dentro de um cenário de baixo crescimento econômico e forte expansão de novos paradigmas tecnológicos; e principalmente a partir dos anos de 1990, com a abertura econômica feita de forma abrupta, aliada à política de valorização cambial do Plano Real. “O emprego na indústria, após um período de retração na década de 1990, voltou a crescer, mas isto se deu em torno de setores de menor intensidade tecnológica e mais intensivos em trabalho, diretamente ligados à dinâmica econômica do período. São setores que pagam salários menores e que têm uma demanda por qualificação também menor.”
    Se antes a indústria apresentava uma estrutura hierarquizada do emprego, como lembra o pesquisador, a década de 1990 foi de terceirização das atividades. “Dos faxineiros aos diretores, eram todos empregados da mesma empresa. Hoje, na fabricação de carros, por exemplo, existe, além da montadora, outra empresa que faz as autopeças, outra de limpeza, outra de auditoria, tornando-se muito mais segmentada a estrutura hierárquica. Quem está na linha de produção tem atualmente muito mais dificuldades de chegar a funções de chefia, já que parte das estruturas hierárquicas (principalmente as intermediárias) foi extinta.”
   Os serviços “qualificados” (de maiores salários), por sua vez, tiveram um comportamento mais instável devido ao desempenho da indústria, da qual são dependentes, aponta o economista. “Os caminhos ocupacionais ficaram restritos internamente à indústria e a crise do setor provocou um deslocamento de parte de sua mão de obra (que voltou a crescer recentemente) para o comércio e serviços, que por natureza possuem mercados de trabalho muito mais segmentados. Além disso, houve estruturação do emprego em ocupações que eram consideradas ‘porta de entrada’ do mercado de trabalho (notadamente no comércio e serviços), geralmente ocupadas por jovens em início de carreira profissional e agora exercidas por adultos, com caminhos ocupacionais restritos e de menores salários.”
   Leandro Horie observa que todos estes movimentos estão intrinsecamente ligados à política econômica do período, de baixo crescimento (pelo menos até 2004) e sobrevalorização cambial, prejudicando a indústria, principalmente a de maior densidade tecnológica, e favorecendo as atividades industriais de baixa intensidade tecnológica, o comércio e os serviços. “Mesmo o crescimento econômico recente não foi suficiente para modificar esta tendência, pois não houve modificação na condução da economia brasileira”.
    O autor da dissertação atenta que a importância da indústria está tanto no tipo de emprego que gera, como nos seus desdobramentos em outros setores. “É o único setor que pode crescer dentro dele mesmo, enquanto os de comércio e de serviços são dependentes desta dinâmica. E o Brasil passa por um grande problema: nos países desenvolvidos, a dinâmica foi de crescimento do comércio e serviços num contexto de maturação do setor industrial; aqui, a indústria está revertendo à tendência de crescimento sem ter atingido a sua maturação. Com isso, ela vai se concentrar em setores de menor intensidade tecnológica e impactar negativamente em outros setores, sobretudo nos serviços especializados, e em um segundo momento na demanda de outros setores da economia, já que a renda corrente vai ser menor”.

Rearranjo do mercado
    Na avaliação de Horie, os dados da PNAD de 1981 mostram que o emprego industrial era bastante relevante na alta e na média classe média, visto que envolve conhecimento tecnológico. “Hoje, por causa da queda do setor industrial, o setor público tornou-se opção para esses estratos e, se houve crescimento de assalariados entre esses estratos, o setor público responde por contingente importante, principalmente na alta classe média. A média classe média, cujo contingente na indústria de transformação também caiu, viu-se relativamente compensada com o aumento da prestação de serviços às empresas (derivados das terceirizações) e como empregadores do comércio”.
   Um detalhe importante é que mesmo diante do crescimento econômico recente, a proporção de alta e de média classe média em 2009 era de 12,9%, levemente inferior a 1981 (13,0%), ano de recessão da economia e caracterizada por uma má distribuição de renda. Outro resultado apontado na pesquisa é que o estrato da baixa classe média, o mais dinâmico, teve seu crescimento baseado em atividades econômicas como construção, educação, saúde, comércio e alojamento e alimentação. Entretanto, a informalidade, por mais que o emprego assalariado tenha crescido nesse estrato, continua relativamente estável, oscilando entre 17% e 18% do total de ocupados.
    A massa trabalhadora, de acordo com Leandro Horie, cresceu no período de 2004 a 2009, graças à ascensão de boa parte dos ocupados “miseráveis”. “A expansão deste segmento se deveu tanto à política de valorização do salário mínimo, como ao crescimento do emprego assalariado no comércio, prestação de serviços e, em especial, nos serviços domésticos.”
    Já para os miseráveis, o pesquisador afirma que continuam restando as atividades ligadas à agropecuária e aos serviços domésticos, além das ocupações não remunerados, todas regidas por formas retrógradas de relação de trabalho ou mesmo de subsistência. “A política de valorização do salário mínimo permitiu que mais de 10 milhões de ocupados saíssem da situação de miseráveis, mas a participação do emprego assalariado nesse estrato tem caído vertiginosamente. O salário continua miserável, naquele nível do boia-fria, do trabalho por empreitada.”

Criação de empregos
    Insistindo na conclusão de que os trabalhadores da baixa classe média, na atual conjuntura, chegaram ao seu limite, Leandro Horie prevê que eles terão de buscar escolaridade e qualificação para almejar um lugar na média classe média e principalmente na alta classe média. Mas não se trata somente de aumentar sua escolaridade/qualificação. “Para que essas pessoas passem aos estratos superiores, será preciso ocorrer algo mais complexo na economia, que vai ter de criar esses empregos em maior número. Caso contrário, a pessoa terá um curso superior, mas na falta de novas vagas, continuará numa atividade que não demanda esta qualificação. E isso só pode ocorrer caso os pressupostos que colocaram a economia brasileira nesta situação sejam superados”.

Publicação
Dissertação: “Política econômica, dinâmica setorial e a questão ocupacional no Brasil”
Autor: Leandro Horie
Orientador: Waldir José de Quadros
Unidade: Instituto de Economia (IE)

Disponível em: http://www.unicamp.br/unicamp/ju/546/gargalos-travam-ascensao-social

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