segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A mídia promove julgamentos paralelos. Mas, antes de causá-los, quem chamou a mídia? E quem omitiu a verdade?

      
   A influência da mídia nos tribunais
Uma reflexão sobre a consequência do julgamento paralelo da imprensa na vida dos acusados


  Diante da observação de incidentes célebres que receberam ampla cobertura da imprensa - como os casos Nardoni, Suzane von Richthoffen, O monstro da mamadeira e a Escola de Base, em São Paulo -, e após me dedicar ao estudo do assunto, posso afirmar que a mídia, muitas vezes, faz um julgamento paralelo e, por meio de informações subliminares, tenta fazer com que a decisão do juiz esteja de acordo com sua avaliação. Essa força dos meios de comunicação pode, em maior ou menor grau, influenciar as decisões, principalmente quando há tribunal do júri.
  É preciso rever o que a repetida divulgação de casos famosos faz no inconsciente das pessoas. Como um jurado pode ser imparcial e isento se ele já chega ao julgamento contaminado com detalhes que afetam sua capacidade de decidir? Se um réu já foi julgado pela mídia, como o jurado vai inocentá-lo e depois voltar a ter uma vida normal na sociedade?
  A presunção de inocência às vezes cai em desuso por conta da ansiedade coletiva de exigir punição imediata. O desejo da imprensa e de parte da sociedade em ver punições exemplares tem levado a conclusões equivocadas de difícil reparação. Um caso clássico dessa realidade foi o que a imprensa denominou de "Monstro da mamadeira".
  Assim foi chamada a desempregada Daniele Toledo do Prado, de Taubaté, presa, em 2006, acusada de matar a filha ao fazê-la ingerir cocaína. Daniele teve a prisão decretada no pronto-socorro ao qual levara a filha para ser salva. A menina morreu no local com um pó branco na boca. A médica julgou ser cocaína e chamou a polícia. Na casa da suspeita, foi encontrada uma mamadeira e uma seringa com a mesma substância. Os policiais fizeram um teste e decretaram ser cocaína. O delegado Paulo Roberto Rodrigues chamou a imprensa. O caso foi amplamente divulgado na mídia brasileira com uma conotação de julgamento paralelo, induzindo todos a pensar em sua culpabilidade. As notícias foram exibidas nas TVs do presídio para o qual ela foi levada. As presas também quiseram fazer justiça e quebraram a clavícula e o maxilar de Daniele, deixando-a cega e surda do lado direito.
  Só após ela ter sido torturada na prisão é que foram divulgados os laudos, comprovando que o pó branco era, na verdade, resíduo dos remédios que a criança estava tomando. A filha de Daniele sofria de uma doença rara, já havia sido hospitalizada outras vezes e estava em tratamento médico. Não há dúvidas de que a reação agressiva das detentas em relação à Daniele deu-se em razão do julgamento paralelo realizado pelos meios de comunicação em massa.
  Testemunhas são ouvidas e os resultados de perícias são revelados sem qualquer preocupação com os efeitos dessa divulgação na conclusão do devido processo legal, no contraditório, na prova e na ampla defesa. E o mais preocupante é que as provas divulgadas, na maioria das vezes, estariam sob segredo de justiça e não poderiam ser reveladas sem autorização judicial.
  Acredito que seja necessário exigir maior responsabilidade social dos meios de comunicação. A mesma Constituição que garante o direito à liberdade de expressão também garante o direito ao sigilo de fatos e provas num determinado processo. Assim, se a mídia divulgar fatos que possam gerar dano para uma solução justa no processo, essa prova  deve ser excluída do trâmite. A liberdade de expressão não pode estar acima do direito a um julgamento isento.
  O mais grave dessa situação é a contaminação que o julgamento paralelo realizado pelos meios de comunicação de massa pode acarretar ao princípio constitucional de um processo público com todas as suas garantias. E esse risco sistêmico chega ao seu ápice quando o Poder Judiciário, abandonando sua missão constitucional da busca incessante da justa decisão, segundo o seu livre convencimento, amolda-se ao julgamento paralelo realizado pela mídia a fim de satisfazer a opinião pública.

SOUZA, Artur César de. "A influência da mídia nos tribunais". In: Revista da Cultura, São Paulo, edição 52, p. 36,  nov. 2011.  

2 comentários:

Lívio disse...

Pois é, Bruna, a mídia é um poder paralelo - e que pode ser perigoso...

Bruna Caixeta disse...

É perigoso, Lívio, e é fato que ela é um poder paralelo. Mas, o que me deixou mais intrigada neste texto foi saber que quem chamou a mídia no caso "Monstro da mamadeira" foi o advogado. Nem sempre a mídia é que julga primeiro e sozinha...

Obrigada por conferir.

Abraço.