quarta-feira, 21 de setembro de 2011

"Mito da Caverna": um (re)conto

Ladder, s/d.


Ao conhecer esta pintura do polonês Pawel Kuczynski, associei-a ao "Mito da Caverna", descrito por Platão no "Livro VII" de A Républica. Assim como na famosa história do mito, o homem do quadro acima está diante de uma fogueira, se desviando do caminho que o filósofo grego chamou de caminho da Verdade, ou simplesmente, Verdade. 

O desvio acontece, neste caso da pintura, porque o homem que nela está, ao contrário de fazer da madeira degraus para uma escada que o leva a vislumbrar outra existência e, conseguintemente, distinta condição, alimenta a trivial fogueira, e, portanto, o mesmo mundo de sombras que ela reflete. 

A diferença entre os homens da caverna de Platão e o homem de Ladder está no fato de que este último não se encontra nem em uma caverna, nem acorrentado, embora não deixa também de ser um prisioneiro e ver/viver através de uma luz artificial, por estar no escuro. 

A prisão em liberdade, sugerida pelo quadro de Pawel, não é nada reconfortante. A sugestão talvez lembra os conhecedores da autêntica luz, com mais amargura, o errôneo, equivocado e momentaneamente perdido caminho que o homem toma e no qual acaba permanecendo a vislumbrar sombras e não a Luz. 

Uma das mensagens a que o discípulo Gláucon tem acesso, quando a ele é exposta boa parte do "Mito da Caverna" em A República, é também de bom tom para arremate da proposta de leitura-mensagem deste quadro. É ela: "Se interpretares a subida e o exame das coisas acima [refere-se a explicação sobre a saída do homem da caverna] como a ascensão da alma à região inteligível, terás captado o que espero transmitir, uma vez que isso é o que querias ouvir. [...] No domínio cognoscível, a Ideia do bem é a última coisa a ser vista, sendo atingida somente com dificuldade; entretanto, uma vez que alguém a tenha contemplado, será imperioso concluir que é a causa de tudo que é correto e belo em quaisquer coisas, que produz tanto a luz quanto sua fonte na região visível e que na região inteligível comanda e gera verdade e entendimento, de sorte que todos que se predispõem a agir com sensatez privada ou publicamente têm dela percepção" (PLATÃO. A República. Trad. Edson Bini. Bauru/SP: EDIPRO, 2006, pp. 310-311). 

7 comentários:

Bruna Caixeta disse...

Um agradecimento especial à minha grande amiga, Ana Graziela Cabral, quem, muito gentilmente, me mandou uma série de slides com as pinturas de Pawel.

Aninha, obrigada. Gostei muito do trabalho dele.

Caso vocês também tenham gostado do trabalho do Pawel, deixo um link para acesso à página do artista, na qual está todos os seus quadros. É este: http://www.toonpool.com/artists/pkuczy_357

Abraços.

Manoel Almeida disse...

Muito legal a analogia feita com o Mito da Caverna, Bruninha. Coincidentemente, o post CLXLII do "epitaphius" também nos remete ao Mito (do qual também extraí a postagem programada para sábado).

Fortíssimo abraço.

Bruna Caixeta disse...

É fato, Manoel. A frase do Paulo de Tarso, citada no blogue "Epitaphius", também se relaciona com o "Mito da caverna". Ela fala, inclusive, com a mesma metáfora do ver-através-de-algo-e-ter-uma-visão-confusa.

Muito oportuna a sua intertextualidade, Manoel. Obrigada por esta atenta proposição.

Um grandioso abraço.

Manoel Almeida disse...

Bruninha, sem querer por em dúvida o mérito do artista (cuja capacidade resta evidente), mas tão-somente a título de curiosidade: a sombra da escada projetada no muro não coincide com a fonte de iluminação (a fogueira). Ela (a sombra) deveria estar mais à direita, concorda?

Abração.

Bruna Caixeta disse...

Concordo sim, Manoel, agora que você observou. Eu não tinha reparado neste detalhe. Gostei muito que você chamasse a atenção para ele. Penso eu que os desenhistas (incluo-o neste distinto grupo) são mais sensíveis e atentos para essas percepções.

Obrigada por compartilhar mais uma "observação de lince", Manoel.

Abração.

Lívio Soares de Medeiros disse...

Olá, Bruna. Ótima, sua analogia com o Mito da Caverna.

E o personagem de Kuczynski revela de modo contundente nossa estúpida recusa em conhecer... o mundo lá fora.

Bruna Caixeta disse...

Lívio,

Gostei também da sua leitura; muito, aliás. Não havia pensado o quadro nesta perspectiva.

Muito obrigada pela ótima contribuição.

Um abraço.