domingo, 1 de maio de 2011

Fragmentos (1)

Há neste estrambótico e complicado negócio que é a vida, certos períodos estranhos em que o homem considera o universo inteiro como uma simples e enorme farsa, ainda que mal vislumbre em que pode consistir a brincadeira e tenha bastante desconfiança de que esta se realiza à sua custa. Entretanto, nada o desalenta e nada parece valer a pena enquanto está lutando. Engole todos os acontecimentos, ideias, credos e opiniões e todas as coisas duras, visíveis ou invisíveis, por mais encaroçadas que sejam; como um avestruz de poderosa digestão engole balas e pedaços de pedras. E quanto às pequenas dificuldades, preocupações, perspectivas de desastres imediatos, perigos, grandes e pequenos, tudo isso, e até a própria morte, aparecem apenas como dissimuladas, benévolas e graciosas palmadinhas nas costas, dadas pelo velho e misterioso trocista. Essa espécie de humor estranho e rebelde se apodera do homem apenas em momentos de extrema angústia e surge no meio da própria ansiedade; de modo que, o que até então parecia da maior importância, torna-se uma alternativa a mais da enorme farsa. (p. 343)

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Assim, cortando a amarra do barrilzinho impermeável de mechas, depois de muitos insucessos, Starbuck conseguiu fazer uma torcida para a lâmpada, acendeu-a e, encostando-a a um pedaço de pau qualquer, entregou-a a Queequeg, porta-estandarte dessa esperança perdida. E Queequeg, sentado, erguendo bem alto aquela luz irrisória, era o símbolo do homem sem fé que, conquanto nada mais espere, conserva ainda viva a esperança no meio do desespero. (p.342)

MELVILLE, Herman. Moby Dick. Vol. I. Trad. Berenice Xavier. São Paulo: Abril, 2010. (Clássicos Abril Coleções; v. 15)