segunda-feira, 4 de abril de 2011

Poesia & Crise


Marcos Siscar, professor no departamento de Teoria Literária do IEL/Unicamp (Instituto de Estudos da Linguagem), no dia 29 de março, lançou o seu mais recente livro, chamado Poesia e Crise (Editora da Unicamp, 360 páginas, R$60 reais). Na mesma semana, o Jornal da Unicamp publicou uma entrevista com o professor, na qual ele mencionou algumas das questões discutidas no seu livro e outras convergentes.
Uma delas, que inclusive resulta no título da obra, diz respeito ao “discurso da crise”. Siscar, ao responder a inevitável pergunta do entrevistador, a se a poesia está ou não em crise, afirma que este é o tema do seu livro, e que, apesar dos desafios contemporâneos para a publicação, veiculação e leitura deste gênero, ele continua lendo poesia com grande interesse.
A resposta é pouco fácil de ser benquista, entre outras razões, por se ter em consideração o espaço particular e profissional de um professor de literatura (e também autor de alguns poemas), que tem, não só por prazer, mas, por ofício acadêmico, reavivar a leitura do gênero. Neste caso, a crise parece ficar pouco impossível de ser inteiramente consentida – não que eu queira insistir na afirmação de alguns poetas e jornalistas de que a poesia está em crise. No caso, no que se refere à minha opinião, a crise da poesia sempre existiu - e existirá, como em qualquer época isso é discutido-, o que a vai determinar (ou não) é a capacidade de tornar a poesia uma experiência perceptível para as pessoas. A poesia prescinde de viáveis formas de se ter contato com ela. Isso representa a crise para mim. É certo, por exemplo, o debate sobre as razões históricas e sociológicas do início da escassez da poesia, como alguns exemplificam pela evasão dos poemas dos jornais. Só que isso não é o bastante para exemplificar uma crise, a meu ver. Ao mesmo tempo em que a poesia abandona os jornais, ela encontra mídias alternativas mais usadas (após as mudanças em toda a história da comunicação), como é a internet, embora esta seja, sem dúvida, a também grande responsável pelo distanciamento das pessoas da sensibilidade poética. Mas, desde muito tempo sabemos que o que se refere à internet está ligado a uma questão de seleção, de saber usá-la. Ela pode ser, por exemplo, também um instrumento de aproximação das pessoas para com a experiência poética (por que não seria?). Por isso insisto em acreditar e afirmar que a crise da poesia está nos meios de tornar a poesia uma experiência, para o que não é imprescindível (nem dispensável) o poema, pois como sugere belamente Octávio Paz (na obra O Arco e a Lira, por exemplo), a poesia não está só no poema. Ele é uma das vias para se contactar-se a ela. Portanto, a experiência poética precede a busca pelo poesia e, consequentemente, o seu resultado oferece o fim da crise, mesmo em meio a tantas circunstâncias históricas.
E, para retornar ao Siscar, ele vai defender que o que mais existe é o “discurso da crise”: “tento mostrar que o discurso faz parte da situação, por assim dizer, e que, ao fazer parte, também a modifica”. Para ele, “os poetas, nos seus poemas ou na sua crítica, têm apontado periodicamente a falência ou o desaparecimento do gênero poético, diante da emergência de valores inconciliáveis com a atitude artística. O resultado desta observação é que, dos pós-românticos aos decadentistas, das vanguardas e seus diversos espasmos à discussão contemporânea, cada geração atualiza a seu modo a ideia de que a poesia estivesse acabando ali”. Conclusão que tira após notar a convergência entre os resultados da exegese dos primórdios da poesia moderna e a reflexão sobre o estado contemporâneo da poesia, especialmente no Brasil.
Mesmo que algumas das suas argumentações, em certos momentos, assinalem para o inaceitável, ele propõe, na entrevista, além (e talvez mais) do que o tema da poesia e da crise, discussões pertinentes e áridas sobre a questão dos cânones literários - e o papel da universidade sobre eles; a relação, atualíssima, da poesia com o jornalismo e com a tecnologia; e a sempre incômoda questão do ensino de literatura. Por gostar da reflexão que os assuntos propõem, sobremaneira pelas respostas que ele dá, transcrevo algumas das melhores (julgamento pessoal) perguntas e respostas divulgadas pelo JU (Jornal da Unicamp).
JU: Na apresentação do livro, o senhor assinala que “o discurso poético é aquele que não apenas sente o impacto dessa crise, não apenas deixa ler em seu corpo as marcas da violência característica da época, mas que, a partir dessas marcas, nomeia a crise – a indica, a dramatiza como sentido do contemporâneo”. Quais são os efeitos mais deletérios dessa mimetização?
Não quero negar que existe uma “crise”, pois é assim que, muitas vezes os artistas e os observadores do contemporâneo sentem a situação dita “moderna”. Esse sentimento é mesmo, mais do que admissível, crucial para entender o sentido de nossa arte e de nossa literatura. Mas achar que a arte e a literatura são apenas “expressão” desse mal-estar é ignorar fundamentalmente sua própria constituição.  [...] A poesia é uma das grandes responsáveis pela caracterização, pela explicação e pela formalização desse sentimento de crise, que tem versões conhecidas na filosofia, na psicanálise, na economia política.   [...] Creio que a poesia dispõe-se a chamar a atenção, de modos variados, para as contradições de que participamos, históricas ou afetivas; não só não as evita, como faz dessas contradições um “drama”, agravando na ordem do sensível, do afetivo, aquilo que aparentemente nos rodeia.
JU: Não raro a academia é vista como incapaz de descortinar e analisar novos cenários por estar aprisionada a cânones. O senhor concorda?
Corro o risco de ser acusado de argumentar em causa própria, mas acho que nesse campo é preciso ser muito direto: a “academia” é um dos raros lugares em que se pode de fato analisar novos cenários. Não tenho conhecimento de nenhum outro lugar institucional onde se discuta tão abertamente, com critérios e com rigor, o estado contemporâneo da cultura e da sociedade. A própria ideia de que somos prisioneiros de nossos cânones provém de dentro da universidade. A universidade é um espaço cuja natureza é poder suportar sua própria crítica e se renovar a partir dela. [...] A pluralidade e a diferença de opiniões são uma riqueza e não um déficit. [...] Há, é claro, e isso faz parte da crítica interna da universidade (a qual sua concepção lhe dá não apenas o direito, mas o dever), muitos “ritmos”: coisas que demoram mover-se, mais do que deveriam, que se escoram nos hábitos e em valores não problematizados; e há coisas que querem mover-se rápido demais, sem conseguir avaliar que interesses estão em jogo no deslocamento. Saber em que categoria devemos colocar, por exemplo, a questão do “cânone” (que nada mais é do que a questão dos currículos e das prioridades da universidade) é o próprio objeto da discussão e não a expressão de uma “incapacidade”. A questão envolve não apenas o conteúdo das disciplinas, mas o próprio destino delas.
JU: Nesse contexto (de discussão da relação da poesia com o jornalismo e do mercantilismo que eventualmente surge desta relação), a internet tem poder de fogo para substituir os chamados “jornalões”?
[...] A própria poesia, embora pretenda estar nos lugares mais avançados do aproveitamento da tecnologia, na verdade, como um todo, depende muito pouco dela. É um gênero econômico e tecnologicamente marginal, o que lhe dá pouca atenção do “mercado”, mas muita liberdade para afirmar suas próprias prioridades.
JU: Qual a sua avaliação do ensino de literatura hoje no país?
Tenho muita preocupação com as discussões sobre o assunto, sobretudo em termos de elaboração de currículos, das quais nem sempre participam os profissionais de literatura. [...] As ênfases na formação de “mão-de-obra” (no lugar da formação de cidadãos) e nos meios de aprendizagem (em detrimento dos conteúdos específicos), embora tenham razão de ser, a partir de ângulos específicos, tendem a deixar à margem a formação do cidadão, como homem de sua cultura, ainda que cosmopolita. A literatura e a tradição literária não são apenas mais um registro da nossa língua; sua riqueza de elaboração da nossa situação, quer seja seja de brasileiros ou de humanos, é inestimável, tanto como memória histórica quanto como capacidade ativa de construção de imaginário.  

Fonte: Jornal da Unicamp. Campinas, 28 de março a 3 de abril de 2011, p. 5 a 7.

6 comentários:

Lívio disse...

Bruna, o assunto é instigante, mas fico com o Paz, na ideia de que a poesia não está só no poema.

Se esse, digamos, sentimento de poesia morre, aí, sim (tenho a impressão), a poesia terá ido embora para valer.

Ana Amélia disse...

Oi Bruninha,

Nossa... não sei se já te disse isso, mas você escreve muito bem. Adoro suas colocações, seu vocabulário e seu estilo. Meus Parabéns.
Esta entrevista com o Siscar parece ser muito interessante. Para ser bem sincera com você, o que mais me interessa nisso tudo é o ensino. Para mim, ensino de língua e de literatura são desvinculáveis, isto é, não consigo messsmo pensar neles de forma separada. Quando ele responde que se preocupa com questões acerca da formação do cidadão eu complemento que, ao menos nos documentos oficiais do PR (os quais tenho mais segurança para discutir) a formação do cidadão está incluida ali sim, mas não exatamente a partir do viés literário. Infelizmente, nos dias de hoje, a língua e a ênfase nos gêneros mais cotidianos e das esferas, aparentemente, mais úteis à sociedade moderna (como a jornalística, a científica e etc.) são a prioridade do ensino. A Literatura, e, com tristeza digo, principalmente a poesia está sim em crise, está sim marginalizada. Eu mesma sou um exemplo de admiradora (e ouso dizer, amante) do gênero poesia que aprendeu a circular nessa esfera apenas quando entrei para a faculdade. Triste, mas verdade. Bom, já falei demais. Depois conversamos melhor pessoalmente. hehe.. Abraços querida e parabéns pelo post. Adorei.

Bjs, Anita.

Bruna Caixeta disse...

Lívio,

é verdade: a crise de fato existirá se o sentimento de poesia tiver ido embora.
Por isso acredito que devam existir sempre maneiras de tornar perceptível a experiência poética, que - ainda bem, e depois de Paz - não se dá somente a partir do poema.

Obrigada pela colocação.

Bruna Caixeta disse...

Anita,

seu comentário quase não chega! Este blog anda com algum mecanismo que lhe dá vida própria e lhe permite se atrasar na divulgação dos comentários. [Risos].
Mas, vamos ao que interessa e é urgente: também estou com você no debate da literatura no âmbito do ensino. É triste perceber a dificuldade dos "formuladores de currículo" para notar a importância da literatura (e, também, sim, da língua) na formação do indivíduo. Por isso gosto do que o Siscar responde na sua última pergunta - e aproveito para fazer delas a minha palavra: "A literatura e a tradição literária não são apenas 'mais um' registro da nossa língua; sua riqueza de elaboração da nossa situação, quer seja seja de brasileiros ou de humanos, é inestimável, tanto como memória histórica quanto como capacidade ativa de construção de imaginário." É toda essa a contribuição que ela pode ter para o ensino - e, claro, para a humanidade.

E agradeço pelo elogio à minha meneira de escrever. Bondade sua dizer tudo aquilo.

Legal que tenha gostado do post!

Obrigada pela participação.
Abraços.

Ana Amélia disse...

Bruninha! Obrigada pela pronta resposta querida! :) Preciso de sua ajuda para resolver um impasse. Quando eu escrevo "Para mim, ensino de língua e de literatura são desvinculáveis, isto é, não consigo messsmo pensar neles de forma separada." no meu comentário, estou em dúvida se usei o termo "desvinculáveis" de forma correta! hehe... vc entendeu o que eu quis dizer né... mas será que eu deveria ter escrito algo com "não são desvinculáveis"?? Acho q sim né? Desculpe pelo erro.. "falta de distração" haushaus.. tô brincando.. falta de atenção!!! hehe.. coisas de Anita... Sorry darling...

Beeijos e mais uma vez, obrigada por partilhar conosco tanta coisa legal! :)

Bruna Caixeta disse...

Anita,

eu entendi sim o que você queria dizer: literatura e língua não deveriam ser desvinculáveis no ensino. A palavra existe sim e a expressão é mesmo, como você observou, "não desvinculáveis", pois você quer dizer que uma não pode estar separada da outra. Nem precisava se dar ao trabalho de se corrigir.
Veja eu: já cometi inúmeros erros de pontuação, acentuação, grafia, coesão e concordância neste blogue, não só nos espaços destinados às postagens, mas como também nos destinados aos comentários. Isso acontece; e apesar de achar ruim acontecer, continuo "blogando".
Lembra-se daquele erro meu com o uso do "like" ao invés do "as", então?! Deixa para lá. Expressar-se, no fundo, acaba sendo o mais importante.

Abraços grandes. E obrigada você pela atenciosa participação!