sábado, 24 de novembro de 2012

Por que a Beleza importa

    É hoje escassa a arte que vota consideração à Beleza. Poderia-se datar como início da quase abdicação absoluta da arte ao Belo, os meados do século XX. Desde então, o afã da busca por rompimento de padrões morais, comportamentais e de expressão artística fez com que no lugar das qualidades das manifestações artísticas essencialmente belas, tais como a objetividade no trato das emoções humanas e o dom do alento, fosse posto o limitado culto à originalidade de uma ideia. 

    Não mais está no centro das preocupações do artista, a exposição dos comuns conteúdos das emoções humanas, mas a vazia aspiração à ideia pela ideia; o que permite, qualquer pessoa, com qualquer intenção, se benévola ou maléfica, transformar-se em um "artista". Todavia, ideias, por si só, ainda que originais, não dão conta da totalidade do objetivo da arte. É esta mais séria do que pode-se supor. Todos os verdadeiros e perenes artistas da humanidade, considerando-a um trabalho de seriedade, independentemente das suas áreas de atuação, se na música, na literatura ou nas artes visuais, nunca dissociaram a arte de uma responsabilidade humana, e também não a divorciaram da Beleza, ainda que o tema do exposto não fosse imediatamente algo bonito e aprazível. Em comum, todos eles aspiravam, direta ou indiretamente, contribuir com a formação moral do homem, enobrecendo-o e/ou orientando-o às virtudes. Todos os respeitados artífices, dispuseram-se a tratar nas suas obras de conteúdos de caro interesse às emoções ou aspirações humanas, conseguindo educá-las, alentá-las ou redimi-las.

    Possibilitanto às pessoas o contato com a representação de algum sofrimento, êxtase, alegria ou amor,  conseguindo isso usando uma forma bela de expressão do que é essencial nessas emoções, legítimos artistas apenas elevavam para a condição de uma racionalidade comum e humana, de forma bela e não tanto trivial, aquilo que se passa com todos e é de todos sabido. Fazendo isso desta forma, eles desenvolviam como que um instrumento, a arte, para tornar notável, objeto de compaixão, repulsa, consolo ou amor o que todos os dias está nos rodeando e a que estamos insensíveis ou ignorantes. Educadores dos sentidos, das sensibilidades, eles sempre se punham a serviço de transmitir uma mensagem moral (nem sempre moralista, mas moralizante) e humana, as quais se não nos torna imediatamente outros, melhores, nos faz mais sensíveis, e consequentemente desejosos em longo prazo, de lances mais nobres e belos, a atingir uma condição espiritual em que a ação não se dissocia de pretenções boas e enobrecedoras.

    Ao contrário de todas essas elevados escopos, hoje o que se destaca na "arte" é a intenção de destruir ou zombar o mundo, as pessoas e seus sentimentos. Há um gosto pelo que não será útil em termos de desenvolvimento da sensibilidade, de cuidado com as emoções e a formação humana. Não há interesse pela Beleza e pela moral, o que é importante é apenas a originalidade das ideias. Se é exposta uma lata de excrementos ou uma peruca, não importa, a intenção é muitas vezes chocar e sempre ser original. Diante disso, o que deveria ser lembrado, em forma de aviso, é: a arte não tem compromisso exclusivo com a originalidade; seu compromisso é moral, isto é, com a construção ou reconstituição do homem. Já temos reações autodestrutivas e bestiais por natureza e vivemos uma realidade que a todo tempo nos anula e exige sermos menos humanos, mais robôs, mais insensíveis. E a arte é o que devolve nossa sensibilidade, nossa capacidade de consideração humana com as pessoas, os animais e as situações. Entretanto, se até ela virar-se contra nós e o mundo em que habitamos (sendo destrutiva, amante da feiúra), o que restará, em que nos resultaremos? Tal pergunta desencadeia outras: a arte pós-moderna está a serviço de quê? Ela pretende falar e ofertar o que aos homens e ao mundo? Existe um projeto, ou é mesmo só o que está muito visível: o culto da ideia pela ideia que tem a durabilidade de um dia de exposição em bienal? 
    
    A arte, desde os tempos em que foi exercida com juízo e ciente do seu papel social à humanidade esteve a serviço do homem; não para fins práticos, funcionais, ou, não somente para eles, mas para o homem-alma, o homem-espírito, esta outra faceta que de que somos dotados. A arte mestra tem sempre uma função; está sempre a serviço de algo; sobretudo sempre levando em consideração o homem nas suas relações sociais e emocionais. A verdadeira arte não subtrai o homem, não o destrói ou elimina seus gestos e sentimentos (com exceção para causas nobres). Ela busca aquilo que não está no campo do inédito, mas da permanência, da condição humana. Como no diálogo Filebo, Sócrates fala a Protarco: "não há novidade; trata-se de uma condição interior que experimentamos que é imortal e insuscetível de envelhecimento e que pertence ao discurso racional enquanto tal". Por fim, a arte é assim e deveria continuar sendo sempre:  uma serva da Beleza, e esta tomada como um valor - como completaria Roger Scruton -, tão importante quanto a verdade e a bondade.  

     Essas expostas questões da morte ao Belo e da perda do culto à Beleza, exercida pela arte pós-moderna, é discutida no ótimo documentário intitulado Why Beauty Matters liderado por Roger Scruton, filósofo e escritor. Começando por partir deste ponto de que a arte pós-moderna não leva em consideração a Beleza, que justifica por bons exemplos, Scruton recolhe, através de entrevistas, variados pontos de vista sobre a atual forma de fazer arte. Depois, Roger expõe sua (pertinaz) opinião sobre arte e Beleza e suas relações e funções morais. De forma clara, bastante objetiva e elucidativa, o vídeo-documentário é uma aula sobre como deve ser e se fazer a arte, mas sobretudo, sobre o que é e qual a importância da Beleza. Excelente!

    Eis o link para o vídeo logo abaixo:  

http://pt.gloria.tv/?media=331575
 

P. S.: Deixo de antemão o meu pedido de desculpas e a minha justificativa para aqueles que enxergam um discurso monotemático nos meus textos e na minha forma de ler a arte: sempre relacionada à moral. No entanto, explico-me, fazendo das palavras de Machado de Assis as minhas: "tenho a inqualificável monomania de não tomar a arte pela arte, mas a arte, como a toma Hugo, missão social, missão nacional e missão humana".

3 comentários:

Bruna Caixeta disse...

Um agradecimento especialíssimo ao meu prezado Lívio Soares, quem, gentilmente, me encaminhou este vídeo.

Lívio, tomei a liberdade de transformá-lo em postagem (como já te havia dito que o faria). Agradeço a você por ter-me oportunado (e agora, certamente, o mesmo ocorre para os leitores do "Brumas") muito válidas e importantes reflexões.

Um grande abraço.

Lívio disse...

Olá, Bruna. Não há o que agradecer. E fico contente em verificar que o documentário não somente foi postado, mas também gerou um texto seu - o que é sempre bom.

Grande abraço.

Bruna Caixeta disse...

Novamente, o meu "muito obrigada" a você, Lívio. Desta vez, pela sua presença aqui e pela leitura da postagem advinda do vídeo encaminhado outrora.

Aproveito a oportunidade da resposta a você, para também comunicar que o texto que veio antes, e outro que sequenciou a postagem "Why Beauty Matters", ambos do Pessoa, foram escolhidos de propósito para acompanhar as discussões do Roger Scruton.

Grande abraço.